30 dezembro 2005

E para fechar o ano.....

Esta história não seria contada. Mas como a outra parte envolvida já abriu o bico, resolvi matar as inúteis horas de trabalho relatando o ocorrido com um verniz próprio.

D., que talvez prefira não ser identificado, mas que todos sabem quem é, me chama para tomar uma inocente cerveja em um boteco-instituição de BSB, o Beirute, no penúltimo dia útil do ano. O frio espanta os demais companheiros de copo (sim, o frio. Porque no verão chove muito no cerrado, a temperatura cai de noite e tem sempre uma brisa gelada. Descobertas de quem em 8 anos de Brasília nunca passou Reveillon por aqui).

Querendo esticar a noite, D. propõe ir a outra instituição de BSB, o Gates (somente as instituições estão abertas nessa época do ano). Eu detesto o Gates, pra mim é um local que só existe porque faz parte da memória afetiva de toda uma geração que cresceu em Brasília em uma época quando não existia absolutamente nada para fazer, a não ser ir para o Gates. Mas, personalidade fraca que sou, sigo D..

Gates vazio. Quem conhece D. sabe que ele tem um talento inato para entrar em baladinhas gay sem querer. Sem querer mesmo. Ou talvez ele esteja tentando dizer algo... De qualquer forma, logo notamos que o talento de D. mais uma vez se manifestara, estávamos um tanto deslocados, querendo vender geladeira para esquimós, completamente fora de nosso nicho de mercado - as meninas lá estavam claramente em busca da mesma coisa que nós. Solução: partir para o Bucanero's.

Corte para uma hora antes, antes de adentrar ao Gates. Lugar novo naquela comercial. Bucanero's. Neon vermelho, superpopulação de seguranças, um tiozinho saindo da porta pesada acompanhado de uma menina bacana. A hostess anuncia o valor da entrada, diz que "ainda não estamos aceitando cartão de crédito" e informa que há um show em andamento, "Tarcísia" (ou "Narcísia"?). Obviamente, um inferninho. Corta de volta para a saída do Gates.

O que pode ser mais deprimente do que terminar a noite em um inferninho?

O segurança tira uma. "Olha os caras que foram para o Gates aí". Entramos. Sentamos no balcão, pedimos uma cerveja. E de repente estávamos em um filme do David Lynch.

No hay bunda

Poucas mesas ocupadas, quase todas por casais. O palco iluminado com uma luz vermelha, uma cortina de veludo ao fundo, cobrindo toda a parede. E uma loira platinada em cima do palco.

Mas a loira estava vestida. Acompanhada de uns 4 músicos. Se esgoelava em versões pretensamente atualizadas de sucessos pop dos anos 80. Não se contentava em cantar, tinha que interpretar com gestos as canções, quase como aquela deficiente auditiva que canta o Hino Nacional com as mãos, já viram?

"Hoje o tempo voa, amor...escorre pelas mãos..." E mexia a mão como se areia escorresse entre os dedos. Ou como se estivesse brincando com os bagos de alguém.

Conscientes da experiência surreal pela qual estávamos passando, D. e eu só fazíamos rir. Ríamos tão alto que por pouco o primo da Tarcísia não resolve distribuir uns sopapos para calar nossa boca. Aquela bodega vazia, as poucas mesas ocupadas por parentes do dono ou da banda. A loira platinada achando tudo maravilhoso. "...bem que se quiiiiiiis...". A única menina com menos de 30 anos era a garçonete. Pior, olhamos ao redor e constatamos que não fomos os únicos ludibriados - havia sim outros tiozinhos ali no balcão que claramente acharam que iam se dar bem no mais novo inferninho da cidade.

Mas deveríamos ter prestado atenção aos sinais. Que inferninho não aceita cartão de crédito?? Que inferninho teria um nome que faz referência a um navio pirata, onde só há homem e canhão?? É pena, o lugar poderia ser um inferninho bacana. Como claramente não vai vingar, talvez venha ainda a ser.

O que pode ser mais deprimente do que terminar a noite em um inferninho? Terminar a noite em um falso inferninho.


28 dezembro 2005

2005. E resoluções para 2006.

2005. Ano de desilusões.

Já vai tarde e não vai deixar saudades, aninho(a) de merda.... (pun intended)

Fica a base para um 2006 promissor, no entanto. Builds character, como diria o pai do Calvin. O que não mata fortalece, o que não mata engorda, etc, etc.

(Eita, otimismo incorrigível. Do ponto de vista evolucionário, qual a função do otimismo, essa característica irracionalmente inerente do ser humano ?! ? Para que serve essa joça?)

Não matou, mas 2005 certamente me engordou. Então, minha primeira Resolução de ano novo (a exemplo de muitos anos anteriores) é perder uns quilinhos. Ou pelo menos comprar uma balança, para que eu acompanhe o progressivo resultado de minha preguiça.

Resolução 2: Exorcizar meu apartamento, livrar-me de alguns fantasmas, apagar quaisquer resquícios de suas passagens por minha vida.

Resolução 3: Viajar mais, incluindo aí uma dive tour.

Resolução 4: Velejar mais, tirar o arrais. Parar de brincar de barquinho, sentar a bunda para estudar o tema e melhorar meu desempenho no lago.

Resolução 5: Ao contrário dos anos anteriores, cumprir as resoluções para 2006. Agora elas estão registradas e publicadas, para cobrança futura.

13 dezembro 2005

Regenerador de Pâncreas do Manduca

Regenerador de Pâncreas do Manduca.

Tem pra fígado?

Minhas fotos do Rio já foram colocadas no Flickr.

Vai lá

12 dezembro 2005

Bom início de semana

Ressaca. E músicas de Roberto Carlos na cabeça.

"Jêêêêsuscristú, JêêêêêêêêêêsuscristÚÚ, Jêêêêsuscristu - euistou a qui"

09 dezembro 2005

Ponto baixo do dia

MALDITOS!!!!

Minha restituição ficou na malha fina....devolvam meu dinheiro, seus putos!!!

Ponto alto do dia


Carái, véi! Tem um Hummer H2 sendo emplacado aqui na porta da repartição!!

Não é a maravilhosa versão militar que pode ser jogada de um Hércules C130 e custa uns USD 250 mil*, este é a versão civil menor "básica" (USD 54 mil)....still, ainda é um Uno Mille de largura....nunca pensei que fosse ver um bichinho desses em BSB.

*metralhadora no teto não incluída

06 dezembro 2005

Luto

Tá bom, são dois posts seguidos fazendo referência ao cara, parece que estou babando ovo, mas eu realmente adoro o Tio Alex.

Vai lá.

A viagem ao Rio, o "Grande (Re)Encontro", decretou de vez o fim do período de luto por aqueles que faleceram em 2005.

05 dezembro 2005

Excesso de Democracia

O homem se esforça, mas ainda não chegou aos índices democráticos castristas de 99,99% dos votos.



Update: Mesma matéria na The Economist.

28 novembro 2005

A Concepção

Adoro BSB. Apesar de ser tão longe de minha saudosa Camburizinho, foi aqui que me auto-degredei já vão quase oito anos, uma das escolhas da qual não me arrependo, e é aqui que vou fazendo minha vida.

Uma das coisas que eu adoro em BSB é o fato de ninguém realmente ser daqui, mesmo as pessoas que eu conheço que nasceram e foram criadas aqui mantém laços fortes com os locais de origem de suas famílias. Isso tem duas conseqüências interessantes: a primeira é que BSB é cosmopolita para dentro, é "naciopolita" ou "brasipolita", um pouco de todo o Brasil está aqui; a segunda é que a ausência de uma identidade bem definida atualmente implica que estamos em pleno processo de formação dessa identidade.

Daí que é bacana assistir a eventos que ajudam a construir essa identidade. Refiro-me ao longa A Concepção, de José Eduardo Belmonte, que assisti ontem no Festival de Brasília.

(Parênteses: Não sou fã do Festival de Brasília, para dizer a verdade, não gosto mesmo. Tive experiências cinéfilas ruins lá. Todo aquele clima de oba-oba pseudo-intelectual me irrita, só não mais do que o comportamento da platéia, gritando, aplaudindo e vaiando a todo instante. Cinema não é uma arte interativa. Fecha parênteses.)

Minha impressão é que A Concepção é a versão candanga de Os Idiotas, do dogmático dinamarquês Lars Von Trier. Para quem não gostou do filme, quero deixar claro que faço essa referência como elogio.

Brasília é o cenário dessa história que envolve uma experiência frustrada de comunidade alternativa, baseada em drogas e fraudes de cartão de crédito. Não me agrada a interpretação padrão de que é um "retrato" da "juventude perdida" de Brasília. Não seria o primeiro filme a fazer isso, aliás, apesar de certamente fazer melhor.

Com exceção de umas referências à seca no começo da película, Brasília é tratada de forma até bastante respeitosa. É o cenário da história, não a causa da "perdição" dos concepcionistas. A Concepção
poderia ser retratada, com poucas adaptações, em qualquer lugar. Foi feita em BSB porque o diretor tem vínculos com a cidade.

O que me traz de volta ao ponto inicial, A Concepção é um exemplo do processo de formação da identidade local, que vai aos poucos se consolidando. Finalmente, um filme se passa em BSB, feito por quem conhece a cidade, sem que o propósito do filme seja esculhambar a Brasília-barnabé do imaginário coletivo nacional ou louvar a Brasília-pioneira. É um produto cultural candango, feito não só para candangos. Salve, salve, é candango e não faz referência a JK, é candango e não se trata de política.

É candango de verdade. Como diz o narrador em uma das primeiras cenas, "você não sabe como é SER de Brasília. Não viver aqui porque o pai foi transferido para a capital, mas realmente SER daqui." (algo assim, cito de memória)

Estão lá o pessoal da UnB de figurante, as tesourinhas, a seca, as superquadras, os pilotis, etc... tudo isso é BSB, mas contando uma história com a qual qualquer um pode se conectar: a busca da identidade, nem que seja pela "morte ao ego!" e pela "reivenção de si mesmo a cada dia". Talvez a louca busca de identidade dos concepcionistas possa ser entendida como a própria falta de identidade de BSB à qual me referi acima. É interessante o paralelo entre a alternância de sotaques dos personagens e a ausência de um sotaque característico de BSB, por exemplo. Mas essa interpretação já é viagem demais.

Seja como for, A Concepção fala para o mundo a partir de Brasília sem o fazer voltado para o próprio umbigo (seria a Torre de TV?). Isso me parece um sintoma de que BSB chega a uma nova fase em sua busca por identidade, além dos estereótipos.

Vão ver. Se não pela cidade, vão ver pela atriz que interpreta Liz, Rosanne Holland (vista aqui em um ensaio que não lhe faz plena justiça). Linda. Saí apaixonado. Só ela já valeria o ingresso.

PS 29/11: Não é o único filme Candango-made da safra deste ano, há também As vidas de Maria, de Renato Barbieri. Não vi, mas comentários de amigos não me animaram também. De qualquer forma, me parece que reforça o argumento da consolidação da identidade local.


25 novembro 2005

Um minuto de silêncio

Abaixem as cabeças e façam um minuto de silêncio.

25.11 - um ano deitado na rede

(Modificado)
Um ano do Crônica do Explorador Deitado na Rede. 2.132 visitas, mais umas outras tantas page views. Boa parte delas por mim mesmo, como ponte para outros blogs e relendo minhas atualizações - quase como se o blog fosse tomar vida própria e postar sozinho.

Muita coisa mudou desde novembro de 2004, entre elas o foco do blog, que distanciou um pouco de crônicas de viagens e exploradores para algo mais pessoal. We commonly do not remember that it is, after all, always the first person that is speaking. I should not talk so much about myself if there were any body else whom I knew as well. Unfortunately, I am confined to this theme by the narrowness of my experience. (Thoreau)

No fim das contas, talvez não seja uma mudança de tema tão grande. Como disse outro filósofo de minha preferência, "Let's go exploring".

Não posso deixar de enviar um abraço a meus fiéis leitores, por me aturarem e terem resistido à minha retirada de seus agregadores RSS.

Vamos todos juntos encher um fusquinha e sair para comemorar.

24 novembro 2005

Fotos, fotos e mais fotos

Eu não fazia idéia de como o Flickr é bacana. Estou colocando as fotos da Tasmânia lá aos poucos, mas já há um album de fotos com meu afilhado.

Ainda não consegui absorver todas as possibilidades de interação do Flickr com o Blogger, mas chego lá. A idéia é que eu faça upload de fotos com freqüência, para matar o verme da família (principalmente) por fotos do filho que se auto-degredou para o cerrado.

Viciei, já antevejo a necessidade de pagar pela assinatura premium.

Vai lá: http://www.flickr.com/photos/camburizinho

Update: Falei que tinha viciado...quase estouro o limite de uploads do mês, por isso tive que maneirar e ser mais seletivo nas fotos, então não estranhem uma certa desproporcionalidade dos temas.

20 novembro 2005

Marmelada

Depois de hoje, alguém aí tem dúvida que esse campeonato foi comprado??

18 novembro 2005

E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará

Tio Alex está certo.
(eu não fui abandonado. fui traído.)
Sensação esquisita constatar que a concretização de seu medo mais primal, no fim das contas, te liberta. Gosto de desilusão com alívio, misturados com vodka.

Talvez a resposta esteja em Tyler Durden: It's only after you've lost everything that you're free to do anything.

Adiante.

17 novembro 2005

Zen e a arte de ser barnabé

Nunca senti atração por filosofias orientais, talvez até por nenhuma filosofia organizada e sistematizada. No entanto, após um almoço com um colega mais escolado nesses temas, descobri que exerço uma função Zen.

Segundo me recordo da exposição do colega, Zen é a arte budista de encontrar o eu-interior por meio da meditação e técnicas de repetição, a ponto de transformar a mente em um completo vazio, levando o praticante encontrar sua verdadeira natureza e a executar seus atos de forma perfeita, inconscientemente.

Creio que, após 18 meses de funcionalismo público, atingi esse estado. Passo os meus dias Zen. Minha mente é um completo vazio, distribuo expedientes e elaboro retransmissões de forma perfeita, automática, inconsciente.

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Update: Fui alertado para o fato de que escrevi bobagem aí em cima, que a história do consciente/inconsciente tem sinais trocados. A verificar. Como eu disse, não entendo picas do assunto mesmo. Alguém pode prestar esclarecimentos? O post permanece, assim como minha mente permanece um vazio.


14 novembro 2005

Teoria da relatividade

Campeonato Brasileiro de Dingue. Comprei o barco ano passado pq queria aprender a velejar. Me meti a participar de regatas, pq achei que assim aprenderia melhor. Aprendi que sou um péssimo auto-didata e que não deveria ter olhado com desprezo para aqueles brinquedos que alegadamente melhoram a coordenação motora.

Sou o velejador mais regular de Brasília. Sempre cheguei em último lugar, mas estou sempre lá. Encontro consolo no fato de que com o peso extra de meu barco mais o peso extra de minhas gorduras, é como se eu carregasse um tripulante de 60 Kg a mais do que os outros - apesar de saber que mesmo com o melhor barco e uma tripulação no peso mínimo, ainda assim não chegaria entre os primeiros. Mas não vou para competir, vou para me divertir.

Sábado, primeiras três regatas do campeonato. Deu tudo errado. Nem tirar o barco da rampa eu consegui direito, raspei a bolina nas pedras do cais (em minha defesa, o nível do Lago Paranoá está muito mais baixo do que o normal). Em duas regatas fui desclassificado por ter chegado muito tempo depois do primeiro colocado. O mantra "não vou para competir, vou para me divertir" foi para as cucuias.

Se eu tivesse um galão de gasolina no carro, tinha tacado fogo no meu pobre barco, mesmo sabendo que ele nada tem a ver com isso, que o problema é o timoneiro. Seria apenas catártico.

Domingo, segundo dia de regatas. Tudo errado, de novo. Tive dificuldades para tirar o barco da rampa E para trazer de volta. Em uma cena digna dos Trapalhões, meu proeiro quase cai na água atrás da escota, que eu soltei displicentemente.

Com uma diferença. Terminei em penúltimo as duas regatas. Por alguma razão que ainda não entendi, cheguei a estar no bloco da frente e montar a primeira bóia com seis barcos atrás de mim, só depois fui inevitavelmente perdendo posições.

Aposto que você nunca soube de alguém comemorar o penúltimo lugar.

De onde infiro a aplicação da Teoria da Relatividade para a Felicidade. Não no sentido que você precisa estar rodeado de gente na merda para se sentir melhor. Você estará feliz em t1 se F1 for maior do que F0 em t0, onde F é sua felicidade medida em valores absolutos e t é a unidade de tempo. Independe dos valores de F1 e F0, mesmo que eles sejam uma merda, muito abaixo do F médio dos demais indivíduos da população.

08 novembro 2005

Cidadania

Mesmo no berço da democracia ou em sociedades supostamente civilizadas, a cidadania - uso pleno de direitos e deveres - sempre foi uma questão, de certa forma, relativa, oficialmente ou não. Exemplos: na Grécia antiga a categoria "cidadão" não se aplicava a mulheres e escravos; o voto já foi censitário em muitos lugares (ainda é em algum?); aborígenes sequer eram contados pelo censo australiano até os anos 60; o apartheid na África do Sul; a segregação racial nos EUA pré anos 60....a lista pode chegar a muitos e muitos posts, e nem precisaríamos dar algum exemplo brasileiro. O que quero dizer, apenas, é que ainda hoje há cidadãos com mais direitos que outros, há diversas classes de cidadania, por assim dizer.


Desde ontem, deixei de ser um cidadão brasiliense de segunda classe. Voltei à primeira divisão. Agora posso exercer plenamente meu direito de ir e vir e, assim, ser igual aos que são mais iguais que os outros.


Comprei um carro.

07 novembro 2005

Tweety

Quando meu velho acha que estou reclamando de barriga cheia, ele diz: "O seu problema...é falta de problema". Sempre que vou a um país desenvolvido, essa frase me vem à cabeça.

Ler as manchetes dos jornais locais na Tasmânia é um exercício do tipo de (falta de) preocupação que se tem quando se está em um país desenvolvido. Tirando o encalhe em massa de 130 baleias em Marion Bay, que foi notícia até aqui, e um ou outro julgamento de um serial killer, as preocupações jornalísticas eram coisas do tipo "Senhora de 75 anos espanta ladrão gigante de sua casa".

Uma notícia em particular, esta em um jornal matutino na TV, chamou minha atenção. Um túnel em construção em Sidney cedeu e criou uma enorme cratera que afetou a estrutura de um prédio residencial. Os habitantes foram retirados às pressas, o buraco foi tapado com muito concreto, mas ainda assim condenou o prédio definitivamente. As imagens chegaram a captar a queda de toda uma varanda de canto. Muita gente perdeu tudo.

Até aí, nada demais, nada que um brasileiro não veja acontecer todo ano durante a estação de chuvas em alguma capital - com a diferença de que os antípodas lá provavelmente tinham seguro. O que chamou minha atenção foi o enfoque dado pelo jornal. Nada de pessoas chorando a perda de seus bens materiais, nada de pessoas revoltadas com a prefeitura, ninguém se importou muito com aqueles que perderam seus trapinhos por causa de um erro de cálculo de um engenheiro qualquer. Todas as atenções estavam direcionadas para Tweety, a cacatua de estimação de um dos condôminos do primeiro andar que, na pressa, não foi retirada do prédio.

As atenções do país estavam direcionadas para o destino do pobre pássaro nativo, preso em sua gaiola, com água e comida para um dia apenas, mas que não podia ser retirado devido ao risco do chão ceder ao peso de um ser humano. A tensão! O desespero!

Tweety acabou sendo heroicamente resgatada por um robô munido de braço mecânico que originalmente foi construído para desarmar bombas, daqueles que a gente vê em filmes. O país inteiro aplaudiu.

De volta ao Brasil, vejo em nossas manchetes algo como "Fidel Castro desviou dinheiro do Banco do Brasil para financiar a compra do Campeonato Brasileiro pelo Corínthians". Estourei o cartão de crédito e devo até as calças. Meu time perde de 7x1. Volto para uma casa abandonada, sem eletrodomésticos e com um vazamento monstruoso. E muita, muita dor de cabeça.

...ai, que saudadades do Tweety....

04 novembro 2005

A caminho de casa

Parte da atracao desta viagem era espairecer um pouco, colocar umas ideias no lugar....agora q meu retorno se aproxima, nao tenho a menor pressa de voltar....as noticias que recebo de brasilia soh vem me dar dor de cabeca, nao estou nada ansioso pela semana que chega em breve.....

ps: tenho alguns posts prontos que serao publicads retroativamente qdo voltar...

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Update:

Os dois posts que estavam no laptop foram postados abaixo. A reuniao acabou, agora resta fazer as malas e cair na manguaca, na tentativa de virar a noite e antecipar o jetlag em algumas horas. Aparentemente terei dificuldades em minha conexao em Sidney....Ateh Brasilia.

02 novembro 2005

Miss CCAMLR 2005 - Les pieds de Julie

Algumas situações com superpopulação masculina tendem a criar o "efeito caserna", quando algumas mulheres são supervalorizadas, não por sua beleza, mas pela falta de referência feminina nos arredores. Seria certamente o caso desta reunião, onde todos os machos olham babando e suspirando para Julie, delegada da administração dos "Territórios Austrais Franceses", se não fosse pelo fato de que ela é realmente linda.

Loirinha, pequenina, magrinha, poderia ser mais uma de milhares de loiras-bonitinhas-mas-sem-sal. No entanto, tem uma sensualidade natural que é potencializada por aquele sotaque francês "eu-sei-que-sou-gostosa". Tem até uma bundinha apetitosa, que é raridade entre gringas.

Sem fotos, mas fiquem com esta ilustração: não sou nenhum tarado por pés, mas hoje a Julie veio com uma sandalinha, toda fresca, como se não estivesse no paralelo 42 sul, pintou as unhas em um tom escuro, aneizinhos nos dedos dos pés....nóssinhora! Causou uma ereção. Se há algum podolótra por aqui, está sofrendo muito, pq eu que não sou, estou.

01 novembro 2005

Fato social total

Por razões óbvias, entendo que um país pare por 90 minutos, ou até mais, devido a um evento esportivo, especialmente se estivermos falando de um esporte coletivo ou um ídolo nacional.

Ainda assim, falho ao tentar entender o evento de hoje à tarde. O país inteiro parou para assistir a Melbourne Cup, a mais tradicional corrida de cavalos dos aussies. Um evento nacional daqueles que antropólogos estudam para gerar inferências sobre todo um povo. Interromperam a reunião e usaram o projetor da sala de conferência para exibir o evento. Este ano aparentemente foi especial, pq a égua vencedora, apesar da idade e do sobrepeso do jóquei (58 Kg. Sobrepeso!?), venceu pela terceira vez consecutiva, feito inédito que alegadamente a torna o melhor cavalo da história.

O fato curioso é que uma corrida dessas dura apenas 3 minutos. Não é suficiente sequer para tomar um pint. Ou seja, uma rapidinha. Em comparação, um jogo da Copa do Mundo é uma orgia. Ainda assim, é desculpa suficiente para parar tudo.

Parte da explicação, claro, é o volume de apostas gerado por esses breves eventos - que me fazem lamentar o fato do jogo ser monopólio estatal em minha terra.....apostei 8 dólares, ganhei 20. Tomarei um pint esta noite por conta de uma égua Makybe Diva.

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Update 04/11

Pequenas curiosidades locais:

- Nao ha cachorros pela rua neste lugar....serah que os demonios incluiram cachorro em suas dietas?

- Tirando uns Wallabies que vi em breve "safari fotografico" com alguns colegas em um carro alugado, nao tive oportunidade de ver nenhum dos bichos endemicos que tanto agucam a curiosidade sobre a Australia. No entanto, em conversa com os locais, achei engracado ver que, ao contrario da imagem que temos de coalas fofinhos e cangurus camaradas, esses bichos sao vistos com um certo asco por aqui, sao fedidos, agressivos, tem unhas e dentes enormes e cheios de bacterias.

- Wallabies (uma especie de canguru pequenino), conforme o Capitao Cook descreveu pela primeira vez, realmente parecem com lebres. O gosto eh melhor, no entanto.

- Guiness aqui eh tao cara qto no Brasil, assim como ferragens para barcos.

31 outubro 2005

Multilateralism matters

Apos uma semana de discussoes nas "camaras baixas", dao-se inicio aos debates da "camara alta", que eh o forum politico propriamente dito - apesar das discussoes mais francas e diretas, que eventualmente vem a ter impacto politico, terem ocorrido na semana passada e do fato de ninguem conseguir acompanhar o que acontece agora se nao estiver aqui na semana anterior.

Com o inicio das sessoes desta semana, me pergunto se toda essa historia de jetlag nao eh soh uma desculpa para os muitos bocejos em torno da mesa principal. Multilateralism matters, mas dah um sono.....

29 outubro 2005

Salamanca Sq.

O ponto central desta vila eh uma praca chamada Salamanca Sq., onde estah localizado o courier que me permite enviar estas linhas pelo ar. A proposito, a praca nao eh batizada em homenagem a cidade espanhola, mas a uma das muitas batalhas navais vencidas pelos britanicos. Jah este courier tem como tema a vida do filho mais famoso destas paragens, Errol Flynn, que vc pode achar que nao conhece, mas certamente jah o viu vestindo corpete, capa e espada em algum filme em Techinicolor na Sessao da Tarde. Mais famoso, mas nao querido: aparentemente hah uma maldicao envolvendo seu nome.

Salamanca se divide no mercado para os locais e no mercado para turistas. Os turistas, no entanto, tambem sao locais. Adquirir artesanato em pais desenvolvido eh uma lastima, artesanato bom mesmo soh em pais com mao de obra barata. Muito artesanato em madeira, uma madeira de uma especie endemica que cheira muito bem, mas ainda madeira - nao atravessei metade do mundo para levar de lembranca um pimenteiro. Fiquei com algumas reproducoes de Hurley, alem de alguns souvenirs que fazem referencia a exotica fauna local.

Nota metafisica - ou quantos bolivianos cabem na cabeca de um alfinete

Se a onipresenca eh pre-requisito para a divindade suprema, como querem alguns monoteistas, entao creio que Deus somente pode ser um boliviano, tocando flautinha de bambu, acompanhado por outros instrumentos e, invariavelmente, um playback ao fundo. Em todas minhas viagens, que felizmente nao foram poucas, este foi o unico elemento constante, invariavel e universal: o boliviano e sua flautinha. Ele estah em todo lugar, da Feira da Salamanca em Hobart a Praca da Prefeitura em Copenhague, passando pela Torre de TV em Brasilia. Me pergunto se sobrou algum na Bolivia.

Pois temam mortais, pois o onipresente Boliviano, que tudo ve pois estah em todos os locais, irah um dia julgar os feitos da humanidade, do mais humilde mochileiro ao mais refinado diplomata, e com grande furia aos infieis irah aplicar os poderes de sua flautinha e seu playback.

28 outubro 2005

Notas de Hobart, 2 (o Amapa existe)

Quando vc comeca a achar que entende o sotaque australiano, vc descobre que existe um sotaque tasmaniano, e volta a estaca zero.

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Baladinha com os Under 35'ers (a meia duzia de gatos pingados que tem menos de 35 anos nessa conferencia), depois de jantar com a delegacao brasileira - de repente tenho 17 e sou estudante de intercambio novamente.

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Hobart eh um lugar exotico, a porta de entrada da Antartica, o ultimo posto da civilizacao antes do sul profundo...

...para os aussies, isso aqui eh o Amapa - haveria mesmo duvidas se esses lugares existem, se nao fosse pelo governo mandar-lhes alguns barnabes.

27 outubro 2005

Notas de Hobart, dia 7

Não são injustificadas as queixas de poucos relatos nesta publicação, mas tenham em mente que o acesso a couriers é limitado e que a agenda do evento ocupa parte majoritária do tempo disponível.

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Melbourne, minha breve escala antes da Terra de Van Diemen, foi uma viagem abaixo pela Alameda das Lembranças, como cantaria o menestrel. Dezenas de nomes e rostos do passado vieram novamente a nossas retinas. Milady Jacquier, de quem tenho apaixonantes memórias púberes, permanece tão jovial, abalustrina e radiante como há oito anos atrás, porém casada - hoje é Lowrie.

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Dos demônios que alegadamente povoam Hobart, a capital da Terra de Van Diemen, ainda não tive sinal, salvo pelos colegas de outras nações que há muito repetidamente comparecem a esta Reunial Anual. Nossa nação não tem possibilidade de superar tais delegados da forma inconsistente com a qual assuntos relativos aos oceanos e terras austrais vêm sendo considerados. Minha modesta participação nesta Reunião tem sido um exercício valioso de atuação em tais fora, mas também uma dolorosa constatação de minhas limitações pessoais e da estrutura que represento. A improvisação não pode ser a regra, a não ser no Jazz.

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Apesar de estudar a língua bárbara que é falada com curiosas variações nasaladas nestas paragens desde a mais tenra idade, esta é minha primeira passagem em terra de língua anglo-saxã. Meu valoroso pai, que me obrigou durante a infância a sacrificar lazer em troca do estudo desta língua, estaria certamente orgulhoso em saber que minhas habilidades fonéticas têm sido aqui frequentemente elogiadas. É também entre os delegados locais que me sinto mais à vontade, sendo eles a maioria dos raros na mesma faixa etária que a minha.

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Em nome de minha saúde financeira e em respeito aos fundos do Reino que a mantém, tenho procurado conter-me ao passar em frente às muitas livrarias locais com vastos acervos sobre Viagens & Exploradores austrais. Já comprometi, no entanto, razoável parcela de meu orçamento com o tema.

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O clima é instável e venta muito, mas está mais frequentemente bom do que ruim. Os efeitos da viagem no tempo ainda se fazem sentidos, mas de forma inconstante, momentos de alerta alternados com extrema ebriedade causada por Morfeu. A cidade não inspiraria muitos poetas, mas é agradável. Se não fossem pelas montanhas em torno da vila, seria muito parecida, talvez pelas altas latitudes e pela brisa gelada, com algumas cidades que conheci no Mar do Norte, com antigas construções ao lado de linhas mais contemporâneas, claramente pré-fabricadas.

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Um aspecto curioso e certamente esclarecedor é assistir aos delegados de San Martín e da Rainha Elizabeth trocarem farpas devido à disputa de certas ilhas no Atlântico Sul. Guardarei pessoais meus comentários a respeito dessa questão, uma vez que poderiam gerar certa polêmica.

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Apesar de nossa atuação multilateral estar longe de apropriada, maculada como está pela demora nas devidas contribuições financeiras, a Reunião vem servindo para conhecer indivíduos mais experientes de outras nações, que possam vir a contribuir para uma atuação mais proveitosa em águas austrais.

21 outubro 2005

Santiago

O deslocamento para a Terra de Van Diemen é empreitada demasiada longa. Tarefa demorada, onde saum testadas as filosofias que advogam que o tempo naum é algo absoluto. Neste porto do Pacífico aos pés da Cordilheira, de onde envio estas linhas, cheguei hoje quando todos já dormiam, me rendi a Morfeu ao invés de minha planejada excursaum pelas bodegas locais, e dormi algumas horas em um rancho local, mui caro para seus pobres servicos.

A viagem até aqui naum teve muito digno de nota. Na mesma nau, a apenas poucos passos de mim, estava o capitaum da mitológica esquadra que derrotou os italianos em terras astecas. Minha escala na Vila de Piratininga foi breve demais, sem ao menos tempo para enviar mensagem, pois fui obrigado a correr entre o povaréu, escoltado por funcionário local, a fim de naum perder a oportunidade de seguir caminho na nau seguinte. Vista do alto, Piratininga se parece cada vez mais com a Coruscant da mitologia contemporânea, com suas luzes se estendendo por todo o horizonte.

Antes de chegar à Van Diemen, no entanto, precisarei de mais uma noite de pouso. Dessa vez, ao menos, terei a oportunidade de ver rostos familiares que há quase uma década naum pouso os olhos. Serei recebido por mui estimada amiga, que conheci durante minhas incursoes por campos daneses, há tanto tempo já que me lembra que tempus fugit.

Como também faz agora o administrador desta central de mensagens.

Hasta luego.

19 outubro 2005

Viagem à Terra de Van Diemen. Dia 0

Graças à mui extensa benesse do Vice-Rei desta Casa Imperial, por meio de ato administrativo de seu mais bondoso colaborador, terei a honra de integrar missão amanuense a terras orientais exóticas e longínquas, tantas léguas a oeste que lá o dia vira noite e a noite vira dia, na desconhecida Terra de Van Diemen, onde nobilíssimos representantes das nações que caçam a longilínea fera dissostichus sp. em águas austrais irão discutir os termos e quantidades da referida caça.

Minha partida ocorrerá nesta quinta ao crepúsculo, dependendo da vontade de Nosso Senhor, na primeira da sucessão de muitas naus que se fazem necessárias para chegar àquelas paragens. A longa duração da empreitada e seus perigos inerentes a tornam material de apreço invulgar a esta estimada publicação, mesmo que tão poucos leitores tenha.

Ainda que as restrições para enviar-lhes notícias do outro lado do mundo sejam muitas, devido à dificuldade de portadores, procurarei trazer detalhes pitorescos e aquarelas vívidas da jornada a qual nosso Vice-Rei viu por bem me enviar.

Não saberia eu dizer quando terei novamente oportunidade de relatar meus garbosos feitos, mas posso adiantar que tomarei nau nesta Capital com destino ao Pacífico, de onde seguirei por rota polar à localidade maori de Tamaki Makau Rau, que o grande Capitão Cook colocou no mapa há muitas gerações. De lá, seguirei em paquete à parte austral da Nova Holanda, meu ponto de partida à Terra de Van Diemen, onde, dizem, vivem demônios e os fantasmas daqueles que outrora partiram em exploração para a Terra Australis Incognita.

Somente lá encontrarei meus companheiros de empreitada, valorosos caçadores da fera demersal e protetores de tudo aquilo que é valoroso, em harmonia com as inexoráveis forças da natureza. Creio, no entanto, que já me alonguei em demasiado nesta introdução, devendo ater-me às diversas e necessárias preparações para a viagem, voltando a relatá-la em nova oportunidade, tão logo quanto possível.

15 outubro 2005

Referendo: mudança de opinião

Li e reli meu post sobre o referendo algumas vezes, cada vez achando o texto pior, cada vez mais contraditório.

Então me dei conta que o que é contraditório é minha declaração de voto. Se o referendo está viciado desde o princípio, uma tentativa de blindar algo que teria pouca sustentação no Congresso; se sua legitimidade é questionável, pois embute uma das possíveis respostas em seu enunciado; se eu creio que é só um factóide populista, uma vez que o porte de armas já é ilegal ... a única atitude coerente que posso ter é anular ou votar em branco.

UPDATE: problema resolvido, minha opinião e sua mudança não valerão nada - a não ser que os chefes do chefe da minha chefe melem (toc, toc, toc), estarei viajando no dia do referendo.

10 outubro 2005

Tudo que você precisa saber sobre o mundo está aqui

A compilação definitiva do que de melhor foi produzido pela filosofia ocidental no século XX.

08 outubro 2005

Sinais da idade

Você sabe que virou adulto quando:

senta em uma mesa de bar com amigos da época da faculdade e 75% dos homens são divorciados.

seus colegas de faculdade hoje dão aula na faculdade - e os alunos deles são seus estagiários.

06 outubro 2005

Referendo 2005: uma crítica

Vou votar no sim no dia 23, mas sem muito entusiasmo. Vou votar sim por duas razões simples, a primeira delas foi magistralmente colocada por O Barnabé. Tenho meus acessos de Mr. Hyde atrás do volante (lembram do desenho do Pateta motorista?) e detestaria encontrar um outro Mr. Hyde armado - como creio que o número de vidas salvas de mortes causadas por motivos fúteis como brigas no trânsito e maridos traídos seria maior do que o número de vidas salvas em situações de auto-defesa, voto sim.

Tirando a Maitê Proença pedindo para votar no sim, o melhor argumento da campanha do desarmamento é que as armas usadas em crimes foram, um dia, legais e depois chegaram às mãos da "bandidagem". Essa é minha segunda razão para votar no sim.

No entanto, quero deixar registrado, concordo com o slogan "Desarmar o cidadão não é a solução". A Campanha do Desarmamento está sendo vendida como uma medida contra a violência e a criminalidade, o que é, no mínimo, questionável. Por isso vou desanimado para a urna no dia 23, na verdade só porque sou obrigado a ir.

Minha principal crítica é contra o referendo em si, não contra determinada posição em relação à questão.

Já fui vaiado pelo que estou prestes a dizer. O referendo é anti-democrático, por mais contraditório que isso possa soar. Não o fato de haver um referendo, mas a forma como ele foi elaborado.

Democracia não é ditadura da maioria, é dar acesso a todos ao processo de tomada de decisões, independente de eventuais filiações ideológicas, religiosas, partidárias, etc. Significa dizer que minorias, ainda que não façam prevalecer seus pontos de vista, participam das decisões e, assim, são protegidas de eventuais abusos da maioria. Um processo democrático deve, portanto, ser elaborado de forma a não pender para quaisquer lados de determinada questão.

Considero que o referendo tem um vício de origem. Autoridades se referem a ele como "Referendo do Desarmamento". A pergunta que responderemos no dia 23 já contém uma resposta em seu enunciado, é um processo tão ilegítimo quanto o "Plebiscito contra a ALCA".

Outro ponto. A Justiça Eleitoral estabelece, nas eleições majoritárias, prazos para iniciar a campanha, correto? Há meses a Rede Globo faz propaganda em favor do desarmamento. Não estou me referindo às matérias no JN, mas às diversas vinhetas e afins, para não falar no clima de "Criança Esperança" que tem o horário gratuito do SIM com todo o elenco da Globo. Não quero iniciar aqui uma discussão sobre liberdade de imprensa. Note bem, defendo a liberdade de imprensa como valor absoluto e fundamento necessário para qualquer democracia digna desse nome, sem os adjetivos relativistas tanto ao gosto do General Geisel e de alguns integrantes do atual governo. Apavorantes as ações de ambas as frentes do referendo, tentando recolher a Revista Trip, a Veja e tirar do ar a novela Bang Bang. No entanto, não está claro para mim se a participação da Globo na campanha do desarmamento é fruto de uma linha editorial bem definida ou participação indevida no horário eleitoral gratuito.

(Parênteses: chega a dar pena a desproporcionalidade entre as campanhas do SIM e do NÃO. Além da falta de recursos e de estrelas globais, o NÃO é de um amadorismo de dar dó. Até recentemente, sequer vinculavam o NÃO ao número 1, a escolha na urna eletrônica. Diziam "contra a proibição, vote não", agora dizem "contra a proibição, vote 1, vote não")

"Mas é por uma boa causa", já me disseram quando expus os pontos acima. É exatamente nesse raciocínio que eu vejo o perigo. Por supostamente ser "uma boa causa", poucos se importam que o processo seja viciado. Para que ter o referendo, então? Se foi definido a priori que é uma boa causa, a decisão poderia vir logo de cima para baixo e nós não teríamos que sair de nossos pijamas para votar no dia 23. Entende onde quero chegar? Em nome de uma causa politicamente correta, não se importam de distorcer um pouco o processo democrático. Esse é o perigo maior do Referendo 2005, o precedente. Que outras causas justificarão esse tipo de distorção processual no futuro? Toda ditadura se considera uma "boa causa", uma "boa causa" imposta por manipulação ainda é autoritarismo.

05 outubro 2005

Camarão na repartição

Tá certo que minha divisão cuida (também) de temas marítimos, mas isso já é demais: acaba de entrar um tiozinho aqui na repartição vendendo camarão.

03 outubro 2005

Inferências


Vc só "faz as coisas sem perguntar por que e pra quê" em países onde há
"excesso de democracia".

Como a nossa política é "mesquinha", "azélite" não deixam o Presidente fazer
o que quer, ficam exigindo satisfações, não deixam o homem trabalhar em
paz....aí ele não pode nos salvar e não entraremos no Reino do Senhor neste
mandato.

Por isso precisamos de mais um mandato, para que o PT faça acontecer, sem
perguntar por que e pra quê.

Entendeu?

21 setembro 2005

Ai, que saudades da Dinamarca....

....é lá que vou me aposentar...

Caregivers in Copenhagen have found that pornography and prostitutes have a greater calming effect on their elderly patients than traditional medical treatment such as drug therapy.
Staff at the Thorupgaarden nursing home in the Danish capital have been broadcasting pornography on the building's internal videochannel every Saturday night for several years. And if videos and dirty magazines don't relieve the tension, residents can ask the staff to order a prostitute for them.
The caregivers have told Danish media that pornography is healthier, cheaper and easier to use than medicine, Lars Elmsted Petersen, a spokesman for the Danish seniors' lobby group Aeldresagen, said.
Earlier this year, the Danish government released a report stating that sexuality is an integral part of life for the elderly and the disabled. It recommended that caregivers help elderly residents satisfy their sexual needs.


Do Marginal Revolution, agradecimentos ao Chiarelli
Leia também o "Jyllands Posten"

Ps: não posso deixar de concordar com o Marginal Revolution, o grande problema nisso é a intervenção do governo em um mercado livre. Com o Estado se metendo na metida dos outros, acabam sendo geradas falhas de mercado que podem contribuir para uma restrição da oferta... Se assistentes sociais continuarem dando uma mãozinha para que os assistidos não fiquem só na mãozinha, isso gera um desvio de comércio e elevação artificial dos preços. Foda... Pior ainda seria se inventassem de fazer licitação baseada em preço, a qualidade do serviço cairia catastroficamente. Nesse mercado, só notório saber!

16 setembro 2005

Deu no New York Times - Enquete da Semana

Segundo O Globo:

Ao fazer um balanço dos dois dias de viagem do presidente Lula a Nova York, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, recorreu ontem a uma frase de efeito:
— Como dizia Tom Jobim, fazer sucesso no exterior incomoda. Quando é um torneiro mecânico, com um dedo cortado, incomoda mais ainda — disse.
Amorim afirmou que o Brasil nunca teve um líder político com dimensão mundial antes de Lula e a atuação do presidente na Cúpula da ONU só confirmou sua importância internacional.
— O Brasil nunca teve um líder mundial, já teve intelectuais de destaque, mas mundial nunca — disse.
E deu dois exemplos: a reverência dos presidentes a Lula quando o tema era combate à fome e o fato de o “New York Times” só ter citado o nome de quatro ou cinco participantes da reunião do Conselho de Segurança, entre eles Lula.


Segundo a Folha:

"Como diria Tom Jobim, fazer sucesso, ainda mais no exterior, incomoda. E quando é um torneio mecânico sem um dedo, incomoda muito mais", disse o ministro, quando fazia um balanço da participação de Lula na Assembléia Geral das Nações Unidas, a maior reunião na história dos 60 anos da entidade, com a presença de cerca de 170 líderes.
Para provar seu ponto, Amorim citou o fato de o "New York Times" ter citado Lula em seu texto sobre George W. Bush, quando havia mais de dez líderes e o jornal mencionou apenas quatro -Lula, Vladimir Putin (Rússia), Hu Jintao (China) e Gloria Macapagal Arroyo (Filipinas). A menção, no 20º parágrafo de um texto de 23, foi sobre os presidentes ao redor do norte-americano.


Agora o trecho original do NYT:

The Security Council also passed a resolution calling on countries to ban incitement to terrorism and prevent subversion of educational, cultural and religious institutions by terrorists and their supporters. The measure was offered by Prime Minister Tony Blair of Britain in a move paralleling his government's response to bombings in London in July.
The seats around the horseshoe panel were filled by the leaders attending the United Nations summit meeting, and among those raising hands in approval were Presidents Bush, Vladimir V. Putin of Russia, Hu Jintao of China, Luiz Inácio Lula da Silva of Brazil, and Gloria Macapagal Arroyo of the Philippine
s.

Notem que a menção no NYT não era exatamente sobre a suposta "liderança mundial" de Lula na ONU, tampouco dizia que Lula estava sentado ao lado de Bush. Mencionava somente alguns dos presidentes presentes que concordaram com uma resolução britânica sobre terrorismo. Vale recordar, para não saírem dizendo por aí que a presença de Lula no CS é exemplo de liderança, que o Brasil ocupa hoje uma vaga não-permanente no CS, como faz freqüentemente desde a criação da ONU - vira e mexe tem um representante brasileiro lá.

Supondo que o Ministro Celso Amorim não tenha sido mal interpretado pela imprensa e que realmente tenha citado a menção ao Presidente Lula no NYT como base para o argumento que Lula é um “líder mundial” como "nunca" teve o Brasil - quem foi mais mal-intencionado??

a) Amorim, por ter usado um trecho do NYT que dizia que Lula concorda com Blair como exemplo da "liderança mundial" do ex-operário de nove dedos;

b) O Globo, que fez a vez de Radiobrás e reproduziu Amorim na lata, sem qualificações;

c) A Folha, por ter identificado a irrelevância da menção no NYT, mas distorceu seu conteúdo e a jogou no ventilador.

12 setembro 2005

Maestro estadista o escambau

Agora que apontaram para a nudez do rei petista, órfãos procuram uma alternativa mais vestida. Os trechos a seguir estão na mesma coluna do Luís Nassif do último domingo, 11/09/2005, na Folha, Aguardando o maestro (acesso restrito a assinantes UOL ou da FSP):

O desenvolvimentismo morreu, o neoliberalismo morreu. O que vem por aí? Esse é o enigma a ser decifrado pelos pensadores, para a próxima etapa do desenvolvimento brasileiro, que virá após as próximas eleições.
[...]
Será difícil nesse país sebastianista substituir o pensamento monofásico dominante por formas mais complexas de sonhar o futuro.
[...]
O novo desenvolvimentismo não poderá mais ser erigido em cima de clichês, como fizeram os dinossauros dos anos 80 e os cabeças de planilha dos anos 90. Há um país diversificado, com muitos cérebros pensando de forma desarticulada. Mas pronto a tocar qualquer partitura, quando entrar em cena um maestro estadista. (grifos meus)

Nassif sugere que os diversificados cérebros hoje dispersos em diferentes correntes ideológicas, monetaristas e desenvolvimentistas, sejam articulados pelo tal maestro. Ou seja, ele cai no erro que ele mesmo aponta como limitação ao país, o sebastianismo, ao sugerir a vinda de um novo messias, o "maestro estadista", já que o messias-operário da ocasião é uma farsa.

Essa coluna poderia ter sido escrita por um daqueles candangos-pioneiros com o adesivo no carro, "JK: procura-se outro".

"Maestro estadista" o escambau, que aguardem por ele sentados.

07 setembro 2005

Katrina

A coisa mais sensata que li sobre o Nova Orleans e o Katrina foi por acaso, clicando de blog em blog até chegar ao site de um Senador norte-americano, democrata, Barack Obama:

Os desabrigados de Nova Orleans não foram abandonados ao Katrina. Eles foram abandonados muito tempo antes, simplesmente não foram levados em consideração pelas autoridades encarregadas de situações como essa. ...whoever was in charge of planning and preparing for the worst case scenario appeared to assume that every American has the capacity to load up their family in an SUV, fill it up with $100 worth of gasoline, stick some bottled water in the trunk, and use a credit card to check in to a hotel on safe ground. I see no evidence of active malice [refere-se à acusação de racismo na demora das autoridades], but I see a continuation of passive indifference on the part of our government towards the least of these.

ps: Sim, eu comemorei o resgate de Oliver

ps 2: O Barnabé voltou, metendo o pau em "comunas" que comemoram tragédias americanas. Lembram-me colegas na UnB, até professores, mal escondendo o sorriso ao dizer que o 11 de setembro foi merecido...triste, triste.

04 setembro 2005

Do valor de mitos e erros

Quando estávamos no colégio, Tia Lenilda tinha uma explicação bastante simples para grandes viagens e explorações: era tudo parte do sistema capitalista, seja em sua fase mercantilista ou imperialista. Exploradores eram agentes de uma lógica de acumulação e exploração, buscando especiarias, minérios, matéria-prima ou mercados para a Europa.

Apesar de aceitar por um bom tempo a lógica pseudo-marxista que prevaleceu na maioria dos colégios que freqüentei na adolescência, algo nela sempre me incomodou, faltava algo. Talvez por ingênua fé na humanidade, eu nunca consegui ver indivíduos arriscando seus pescoços para colocar pimenta na mesa dos outros. Talvez de alguma forma latente percebesse já que o raciocínio quadradinho exposto acima é uma racionalização a posteriori baseada em premissas ideológicas bastante restritas que viriam a ser criadas somente no fim do século XIX e no início do XX e que, portanto, não podia explicar adequadamente a motivação daqueles indivíduos que arriscavam a vida em mares nunca dantes navegados séculos antes.

Claro que não sou idiota a ponto de negar a importância da lógica capitalista nas grandes viagens e explorações. Há vastos registros disso nos relatos das viagens de descobrimento. Em diários de exploradores antárticos há constante preocupação em identificar reservas minerais. Até em um livro de Amyr Klink você encontrará a preocupação em desenvolver novos produtos. Para o restrito fim deste post, basta apontar aqui para a insuficiência do raciocínio expresso acima como explicação totalizante e monocausal.

Tampouco quero aqui propor alguma tese mais abrangente para explicar viagens, exploradores e descobrimentos. O restrito fim desse post é apenas apontar para dois importantes - e muitas vezes ignorados - fatores que podem compor a explicação para algumas das grandes viagens da humanidade: o mito e o erro.

O primeiro é mais evidente. Logo vem à mente a lenda de Eldorado, uma cidade feita de ouro em algum lugar do Novo Mundo, impulsionando ibéricos mata adentro. É importante recordar que a idéia de uma cidade de ouro não era lá tão estapafúrdia se lembrarmos que os espanhóis encontraram uma montanha inteira de prata, Potosí.

Synésio Sampaio Goes Filho, em seu ensaio sobre a formação territorial brasileira, aponta para o mito da Ilha Brasil: além de escravizar índios e procurar pedras preciosas, muitos bandeirantes procuravam confirmação de relatos de um enorme lago no centro do que hoje é o Brasil, que seria a interligação das bacias hidrográficas do sul e sudeste com o imenso Amazonas, uma rota mais rápida entre o sul e o norte da colônia. Apenas a título de especulação: seria a lenda derivada de uma descrição do Pantanal?

Outro exemplo parecido, era a hipótese de um grande lago no outback australiano, baseada no fato de alguns rios correrem para o interior. Muita gente morreu de sede tentando achar esse lago, os mais célebres Burke & Wills, mas foi graças a essas pessoas que o interior da Autrália foi desbravado.

E que tal a idéia de que a Antártica seria um continente de clima aprazível e densamente povoado, cujo comércio poderia vir a superar as trocas com as colônias inglesas na América? Pessoas consideradas bastante cultas falavam seriamente sobre isso na Inglaterra do século XVII, segundo nos conta Alan Gurney. Parte dos objetivos expressos nas ordens de viagem do célebre Capitão Cook era descobrir o tal continente, ou refutar sua existência (Cook chegou próximo aos 70° sul, avistou muitos icebergs, mas não viu terra. Morrendo de frio, deu meia volta, abandonando a idéia de um continente ao sul)

O mito, quando refutado, pode ser interpretado como um erro. Mas e quando o erro já faz parte do planejamento da viagem desde o início? Colombo realmente acreditava ter chegado às Índias, não por descartar a possibilidade de um novo continente, mas por um erro de cálculo. A região do Caribe fica a uma distância da Europa aproximadamente igual àquela que Colombo julgava ter o pedaço desconhecido do globo, baseado em um cálculo errado da circumferência total. Colombo estava certo ao dizer que a Terra é redonda, mas estava errado na estimativa de tamanho. Achou algo que não conseguiu identificar o que era - por isso sou da opinião de que não é injustiça que o continente não se chame Colômbia.

Se tivesse feito os cálculos corretamente, teria que levar em consideração a distância do então desconhecido e muito maior Oceano Pacífico. De certa forma, ele deu sorte de haver um continente entre ele e as Índias - Santa Maria, Pinta e Niña não estavam prontas para a viagem completa. Teria ele conseguido apoio da coroa espanhola se tivesse feito os cálculos corretos?

Mesmo Magalhães, que terminou o trabalho que Colombo começou cometeu um erro grave, no qual estava baseada toda sua empreitada. Segundo Stephan Sweig, Magalhães tinha posse de mapas (roubados dos portugueses, se me lembro bem) que indicavam o Estuário do Prata como a saída para o oceano que ele viria a chamar de Pacífico. Apesar dessa referência não estar presente em Laurence Bergreen, ela faz bastante sentido: a viagem de magalhães foi quase direta até o Prata, onde eles avançaram bastante rio acima, até se darem conta de que não era uma passagem; a partir daí, a viagem foi um enorme pinga-pinga pela costa da Patagônia, até entrarem no Estreito de Magalhães.

Esses exemplos me vêm à mente quando encontro explicações muito lógicas e racionais para determinados eventos. Pergunto-me se é explicação mesmo ou apenas uma forma de organização mental para tornar mais palatável o que não conhecemos - isto não é conhecimento, é fé. Como um grande professor meu da faculdade fazia questão de lembrar: conhecimento não é produzido ao confirmar hipóteses, apenas ao refutá-las. Você não está mais sábio ao provar algo como certo, o máximo que se pode alcançar é estar menos ignorante ao provar algo como errado.

31 agosto 2005

Putting things in perspective

Eu aqui fulo da vida porque estudei por dois anos com a perspectiva de fazer
um estágio no exterior e aos 46 do segundo tempo meus chefes mudaram de
idéia. Aí conheço hoje o Tenente-Coronel Marcos Pontes, o astronauta
brasileiro
.

O homem passou por 7 anos de treinamento e desde 2001 está esperando sua vez
de ir para o espaço, devidamente qualificado, mas esperando pacientemente
sua vez, diante de atrasos e retrocessos completamente alheios a sua
vontade. Se tudo der certo, em 2006 vai.

Sou um bosta mesmo.

22 agosto 2005

Aniversário

E como dizia a velha bisa: De hoje a um ano!

20 agosto 2005

Uma coisa que eu gosto

Adoro aeroportos, áreas de embarque e desembarque em geral. Renovam minha fé na humanidade.

16 agosto 2005

Protesto na esplanada

Aqui da janela da repartição da para ver o protesto da CUT e da UNE "contra a corrupção e a favor do Presidente Lula". Eu achava que o "tratoraço" do fim de junho, quando ruralistas viraram MST, tinha atingido o ápice de surrealidade, mas as bandeiras vermelhas lá fora ultrapassaram essa marca.

Realmente estamos presenciando um momento histórico, a UNE fazendo um protesto chapa-branca !! É o movimento estudantil admitindo toda sua mediocridade, contente em ser massa de manobra do PT, reduzido a ser claque do partido.

Os patetas estão gritando palavras de ordem "contra o imperialismo norte-americano" – beleza então, Delúbio é um agente infiltrado da CIA, está tudo explicado. Dirceu também nunca me enganou com aquele papo que é amigo do Fidel. Estão cantando "olêolê, olêolá, a direita quer voltar. É golpe! É golpe! Por isso eu vou lutar...". Duvido que os patetas queiram dizer que lutarão por um golpe da direita, mas enfim....alguém tem que lembrar esses idiotas que Sarney, PP e PL são a direita brasileira (se é que o conceito se aplica a alguém). Eles nunca saíram, estão do ladinho de Lula desde o início. Não podem, portanto, "voltar", porque nunca foram.

Tenho particular orgulho de ter passado meus anos de faculdade pagando meia no cinema sem nunca ter dado um tostão a esses imbecis.

13 agosto 2005

País de cornos

Não sou fã em particular de Caco Galhardo, cartunista da Folha e do UOL (Os Pescoçudos), mas trombei com essa coluna aqui e adorei. Como o link é só para assinantes, transcrevo um pedaço:

Ah, fui traído. É óbvio que fui traído. Não confio nem na minha mulher, como posso confiar no Zé Dirceu, que eu nem conheço? Levei um parzão de chifres na testa. E o Lula então, que daria cheque em branco pro Jefferson? Dá-lhe chifre. Estamos acostumados, o Brasil é hoje uma nação de cornos, de todos os tipos.

1. Corno indignado: jornalistas, taxistas, crédulos em geral
2. Corno manso: todo o eleitorado
3. Corno cego que não quer ver: a turminha do coro do 'golpe das elites'
4. Corno consentido: tuminha do coro 'estão fazendo tempestade em copo d'água'

O Fome Zero tem que incluir um chapéu do Clube dos Búfalos na cesta básica do brasileiro. É a única medida honesta que o Lula deve tomar para debelar a crise. Todo brasileiro tem direito a saúde, transporte, educação e um chapéu do Clube dos Búfalos!


Aproveitando o gancho, eu queria dar outra potocada ligada a protuberâncias ósseas. O chifre que o PT passa no país hoje nada mais é que experimentação ativa de algo que o PT sempre foi passivo, para usar um conceito freudiano de botequim. Explico: o PT sempre se comportou como corno, "Corno a priori", aquele ameaçado pelo ex da companheira, pelo qual ela de vez em quando ainda se pega, nostálgica, se perguntando o que poderia ter sido... Sério, não há outro jeito para entender a obsessão do PT pelo FHC.

Quase três anos de governo Lula e a referência maior do PT ainda é ser anti-FHC. Ficaram tando tempo sendo contra tudo que está aí que ainda se comportam como oposição no palanque. Parece coisa de marido inseguro, com medo do ex-namorado da mulher, sempre incomodado em ser mais e melhor que o anterior - não porque queira bem à companheira, mas porque se sente falicamente ameaçado pelo passado dela com o ex. Nunca na história desse país... O melhor resultado na última década... O melhor governo da história...Agora podemos crescer de forma sustentada........Toda vez que o Lula vem com essa ladainha megalomaníaca, eu ouço: Bem-nhê...eu trepo melhor que seu ex?

12 agosto 2005

Lula pede desculpas

Ouvi por aí que Lula pediu desculpas......pelo cancelamento do estágio?



Atualização em 13/08/05: Não vote no PT. A repartição precisa voltar à normalidade...

09 agosto 2005

Fábula: Golpe na Mauritânia

O ditador da Mauritânia é um ser enigmático que, segundo as lendas daquele país, tem vida eterna, nunca pega sol e retirou as pálpebras cirurgicamente para nunca mais dormir.

Pouco depois de subir ao poder, o ditador da Mauritânia prometeu dar a todas as crianças do país uma viagem para o exterior, desde que completassem sua educação primária - o que veio a acontecer recentemente. Hoje, enquanto o ditador da Mauritânia estava em viagem ao Uruguai, sua guarda pessoal se aliou às forças malignas espalhadas pelo território e deu um golpe, suspendeu a prometida viagem das criancinhas e agora as oferecerá em sacrifício aos chefes tribais mais sedentos de sangue.

Alguns dizem que não houve golpe: a ordem, na verdade, partiu do próprio ditador. Outros que foi de seu irmão gêmeo malévolo. Saberemos um dia?

07 agosto 2005

Se tudo é válido, nada é válido

Enquete da semana:

Toda vida no Universo é conseqüência direta:

a) Da ação benévola de elefantes roxos que flutuam e rinocerontes verdes subterrâneos;

b) Do poder do Apêndice Talharônico do Monstro do Espaguete Voador;

c) De alguns milhões de anos de acasos, que um careca barbudo um dia chamou de Evolução;

d) Da ação de um ser superior, que organizou esses acasos em um Design Inteligente;

(inspirado por um post da Malla)

06 agosto 2005

Meu velho e o uso apropriado do chulo

Pouco mais de uma semana atrás, meu velho sofreu um seqüestro relâmpago. Por sorte, nada grave ocorreu. Os assaltantes não criaram tensão e meu velho manteve a cabeça fria. Em uma demonstração de que tinham total controle (ou eram muito burros, sei lá)até deixaram o velho ligar para minha mãe...

Em homenagem ao velho, republico (ou reposteio?) uma historinha de meu falecido outro blog, para lembrar o quanto gosto dele.

Meu velho e o uso apropriado do chulo

Há uma história sobre meu velho que, creio eu, todos meus amigos já conhecem. Eu a conto à exaustão. Serve, de certa forma, como cartão de visita - uma historinha que conta um pouco de onde vim e que demonstra ao interlocutor que, a partir de então, formalidades podem ser abandonadas.

Nem sei mais se é uma história verdadeira. O causo realmente ocorreu, mas acho que minha lembrança vai-lhe acrescentando detalhes sutilmente a cada vez que o conto. Não importa. Resolvi finalmente por no papel, apesar da certeza que tenho de que meu velho não vai gostar muito. Divirtam-se.

Sendo filho de doqueiro e - por algum tempo na juventude - doqueiro também, meu velho nunca foi de dar atenção a requintes de linguagem. Deixem-me elaborar isso melhor. As docas eram um ambiente predominantemente masculino, machista, e, como tal, nada refinado. Sendo a cidade dependente do porto, naturalmente, os códigos de conduta e de comunicação do cais passaram a permear todo o tecido social, especialmente em situações informais. Um exemplo: meu avô não chamava por meu velho por nome ou algum apelido carinhoso, ele assobiava - meu avô tinha um assobio com tom, duas notas e duração específicos para chamar por seu filho.

Mas a manifestação mais clara desse traço portuário no dialeto local é a abundância de palavrões na comunicação, mesmo quando se quer bem ao interlocutor. Doqueiros são homens sem muita frescura; porras, caralhos e cus são como vírgulas para eles. Ao terminar a faculdade e subir a serra para trabalhar em escritórios, meu velho conseguiu dominar essa predisposição ao chulo, mas sempre abusou dos palavrões para se expressar em casa.

Isso me trouxe alguns problemas durante a infância: minha professora do primário não compartilhava da opinião de que palavrões são uma forma natural e espontânea de expressão. Era complicadíssimo: se meu velho podia tratar seu melhor amigo por "seu puto", por que eu não podia dispensar o mesmo tratamento a meus coleguinhas de sala?

Com o tempo aprendi que não é em todo lugar que se pode falar palavrão. Confesso, no entanto, que meu velho até hoje tem uma habilidade maior do que a minha para distinguir quando se pode ou não usar o chulo.

Mas não naquela noite. Naquela noite, meu velho perdeu um bom bocado de sua autoridade perante os filhos. Foi na hora da janta, hora sagrada em que meu velho fazia questão da presença de todos da casa. Hora do fórum familiar, de contar como foi seu dia, hora das grandes lições de vida que pais dão a seus filhos, mesmo que eles só as ouçam como um necessário prelúdio à sobremesa. Hora em que não se podia falar palavrão.

Era também na mesa do jantar que ocorriam as reprimendas verbais pelos desvios de conduta dos filhos. O mano e eu fomos criados com um grau de liberdade elevado, mas havia um limite: a paciência da mãe. Meu velho podia representar melhor o papel de provedor da casa, mas todos sabiam, inclusive ele, que sempre foi a mãe a condutora daquele pequeno universo familiar. A mãe era superior a todos nós, todos lhe devíamos respeito e cultuávamos sua autoridade - ainda que sob a aparência de fragilidade. Poucas coisas irritavam mais meu velho do que quando desrespeitávamos a mãe.

Naquela noite o jantar foi silencioso, durante a tarde o mano havia cometido alguma desfeita, tinha sido malcriado com a mãe. Nem lembro mais o que foi, mas foi grave. Ao saber do ocorrido meu velho teve um surto de raiva. Poucas vezes vi alguém dar um esporro tão desconcertante. A veia dele saltava, os óculos escorregavam pelo nariz, o velho parecia crescer na cabeceira da mesa e sua voz ecoava pelos azulejos da cozinha. Em proporção inversa, o mano diminuía, sentado em cima das próprias mãos, seu pescoço desaparecia entre os ombros e a cabeça baixa parecia procurar algo entre os feijões, que esfriavam.

Tive pena do mano, mas não tive coragem de intervir. Até a mãe ficou constrangida, achou que não era para tanto, e segurou o ímpeto do velho.

Diante da clemência da mãe, meu velho pareceu desinflar e voltar ao tamanho normal. Mas ele precisava fechar o esporro com algo que fizesse com que ninguém jamais desrespeitasse o culto à mãe novamente. Tinha que ser ameaçador, tinha que ficar impregnado no inconsciente para toda a vida. O velho voltou a crescer, pareceu ficar ainda maior do que ficara antes. O punho cerrado, firme, apontava o indicador ameaçadoramente, a poucos centímetros do nariz do mano - que não sabia se olhava para o dedo ou para a cara do velho. Houve um constrangedor instante de silêncio, até que meu velho falou. Gritou, na verdade; a voz parecia não sair dele, parecia vir de um buraco profundo, de um lugar que guarda todos os medos da infância.

"- Você.....você....você nunca mais fale assim com sua mãe, seu FILHO DA PUTA!"

05 agosto 2005

Aconteceu na repartição

Eu não presenciei, mas aconteceu aqui na repartição.

Anastácia de Montreal

Uma senhora chegou ao balcão pedindo auxílio para entrar em contato com as autoridades de Montreal, porque é a princesa herdeira e devia se apresentar para assumir. Sua mãe abdicou do trono, veio para o Brasil quando a filha tinha três anos e apagou todos os registros de seu passado. A senhora precisava, segundo ela, descobrir seu verdadeiro nome e entrar em contato com as autoridades de Montreal para reivindicar seus direitos sucessórios.

A funcionária que a atendeu tentou ser profissional:

"...a competência desta divisão é auxiliar cidadãos brasileiros que vivem no exterior e fazer alguns serviços notariais....membros de famílias reais estrangeiras no Brasil não são de nossa alçada...E também não posso ajudar porque não sei que país é Montreal."

A senhora diz:

"Como não? Você conhece Hollywood? Hollywood fica em Montreal!"

A solução foi barnabeística: "Bom, como a senhora é estrangeira vivendo no Brasil, por favor dirija-se ao guichê da Divisão de Imigração."

(com colaboração do Cid)

Chichester e o Gipsy Moth


Um senhor de 65 anos, míope de fazer dó, vegetariano, recém recuperado de um
câncer no pulmão, resolve dar a volta ao mundo em solitário e bater o
recorde de velocidade nesse tipo de travessia. Premissa perfeita para um
livro de auto-ajuda sobre superação individual, material para anos de
palestras motivacionais, não é mesmo?

Felizmente, Sir Francis Chichester não vai por aí. Gipsy Moth Circles the
World
é quase um livro técnico, com trechos um tanto herméticos;
provavelmente não empolgaria muita gente sem algum interesse específico em
náutica. Ainda assim, tem uma irresistível aura de pioneirismo: Chichester
não bateu o recorde de velocidade devido a grandes inovações (com exceção
talvez do leme de vento, tecnologia não disponível a seus antecessores
solitários), mas em grande parte porque foi o primeiro a viajar com esse
objetivo em mente, seus predecessores queriam apenas viajar, não viajar mais
rápido. E que melhor razão do que simplesmente querer?

De Plymouth a Plymouth, com uma parada em Sidney, via Cabo da Boa Esperança
e Cabo Horn. Viajando sozinho, mas apostando corrida com um passado
romântico, do qual ele era um estudioso: a era dos Clippers, gigantescos e
extremamente rápidos veleiros que faziam rotas comerciais regulares no
século XIX a serviço do Império Britânico, transportando chá, lã, algodão,
etc. (Todo pinguço sabe do que estou falando, já viu um clipper no rótulo do
Cutty Sark, whisky batizado em homenagem ao mais famoso desses barcos.)

Chichester estimava em 123 dias a duração média da travessia Plymouth-Sidney pelos clippers e 100 dias para os melhores barcos - corria contra esse tempo. Não haveria como o Gipsy Moth bater a velocidade média dos clippers,
mas para compensar podia navegar muito mais próximo do vento. Chegou em 107
dias, por pouco, em grande parte devido a uma quase capotagem que danificou
o leme de vento. Chichester improvisou uma forma de manter o curso em
relação ao vento amarrando o leme a uma vela de estai. Feitos os reparos em
Sidney, o Gipsy Moth dobrou o Cabo Horn e voltou a Plymouth em 119 dias, 274
dias de travessia no total, incluindo o período em terra, entre 1966 e 1967.

A verdade é que, apesar de ter sido planejado nos mínimos detalhes para essa
viagem, o Gipsy Moth estava mais para cavalo chucro do que para veleiro.
Chichester passa boa parte do livro xingando os designers do barco por
terem distorcido suas instruções até tornar o projeto irreconhecível - a
ponto de eles terem tentado impedir a realização da segunda metade da viagem
com receio das implicações legais de um eventual acidente mais grave. É em
momentos como esse que o livro é mais interessante; apesar de dialogar com a
romântica era dos clippers, Chichester não romantiza sua própria viagem, não
cria um vínculo afetivo com seu barco, não se sente integrado à natureza,
apenas quer terminar sua volta ao mundo. Há um trecho que exemplifica bem
isso quando, próximo da América do Sul, ele envia um despacho telegráfico
mandando uma jornalista às favas, ordenando que pare de tentar romantizar
sua viagem. Autenticidade é pouco.

A viagem de Chichester é um marco. Por um lado, faz referência ao passado, à
era de ouro da dominância britânica dos mares e ao tempo em que a vela ainda
não havia sido substituída pelo vapor. Rule Britannia, Britannia rules the
waves!
. Não por acaso, Chichester foi condecorado Sir, com a mesma espada de
condecorou Drake. Não por acaso, o Gipsy Moth hoje divide o cais com o Cutty
Sark
, aberto à visitação.

Por outro lado, inspirou a realização de uma das primeiras regatas de volta
ao mundo, a Whitbread, hoje Volvo Ocean Race - da qual participará este ano
pela primeira vez um barco brasileiro, o Brasil 1, timoteado por Torben
Grael). Uma viagem nostálgica, mas que serve de referência para a moderna
vela de competição. Um elogio ao passado e o início de uma nova era.

30 julho 2005

Amyr Klink em Brasília


Amyr Klink esteve em BSB na última terça-feira, para promover o DVD Mar sem fim, no projeto Sempre um papo do Centro Cultural da Caixa. Segundo os organizadores, uma centena de pessoas ainda ficou do lado de fora do auditório, com 400 lugares. Como não poderia deixar de ser, estava lá para tietar. Matei aula no curso de extensão, cheguei cedo para guardar lugar, agüentei uma longa fila para pegar autógrafo, cumprimentei, tirei foto. Pacote completo.

Não foi a primeira vez que vi uma palestra de Klink, mas eu ainda acho estranho estar em sua presença. Já se vão 20 anos desde que roubei o Cem dias entre Céu e Mar do meu avô, mas Klink continua sendo meu herói, meu herói da infância: imagine-se na presença de Batman ou Homem-Aranha, atribua-lhes características humanas...um andar diferente, passadas que aparentam ser forçosamente largas, o rosto de quem parece não ter dormido bem, uma risada espontânea....você compreenderá meu estranhamento.

Ao fazer uma pergunta, manifestei minha alegria por estar diante do meu herói de infância. O auditório começou a rir. Uma pessoa de terno e gravata, aparentando uns 30 anos (sou mais novo que isso), dizendo que você é o herói da infância dele....bom, isso é atestado de velhice. Perguntei algo que me indagava há tempos, se a travessia do Atlântico sul a remo foi um deliberado passo no sentido de construir um nome, o que possibilitaria seus projetos polares, de mais difícil execução.

A resposta renovou minha fé na pureza desse homem: disse que não, sua dedicação à travessia a remo foi integral, projetos dessa envergadura não podem ser concretizados como estratégia de marketing. Ao contrário dos muitos que hoje parecem viajar, explorar e escrever apenas para cumprir obrigações contratuais com patrocinadores, Klink continua contaminado com o vírus da viagem, obcecado. Sua viagem é projetar barcos e planejar viagens – qualquer viagem.

Conhecidos meus não gostaram da palestra. Klink falou mais sobre construção de barcos, com longas digressões ambientalistas, do que sobre seus projetos. Eu adorei. Mas sou suspeito para falar, todos sabem que eu teria gostado de qualquer jeito, Klink poderia declamar poesia concretista e eu ainda acharia bacana.

In the presence of greatness.

29 julho 2005

Mudanças

As três leitoras assíduas desse blog (minha mãe, minha namorada e uma Malla que vive na Coréia) vão notar o novo template. O objetivo é marcar uma certa mudança editorial na Crônica do Explorador deitado na rede, ao invés de ocasionalmente postar um longo artigo sobre Viagens & Exploradores, resolvi abrir espaço para alguns comentários e inserções mais pessoais, tornar menos específica a temática.

Penso que assim será mais fácil alimentar o blog com mais freqüência e evitar que caia no esquecimento, como seus antecessores. Tenho que parar de usar meu trabalho como motivo para não postar, não é todo mês que acontecem atentados a bomba em regiões habitadas por milhares de brasileiros, eu vou ficar sem desculpas.

Gentileza gera gentileza, vocês notarão também novos blogs à esquerda. Quanto aos links para livrarias, um pequeno disclaimer: não é jabá, mas se você chegou até este blog por vias tortas, provavelmente há livros ali que vão interessar.

30 maio 2005

Amyr Klink - DVD Mar Sem Fim

Juro que não é jabá. Mas se você tem algum interesse por este blog, provavelmente vai querer comprar o DVD Mar Sem Fim, documentário sobre Amyr Klink da Conspiração Filmes, já exibido na GNT e agora em edição especial da revista Viagem & Turismo.

29 maio 2005

Shackleton

O “intermitente” do banner aí em cima bem que poderia ser substituído por “quase nunca”, mas voltei. Voltei após terminar minhas obrigações com o mestrado – mas bem que o mestrado poderia logo terminar suas obrigações com os alunos, liberando a gente para cuidar da vida. De qualquer forma, voltei, até meu próximo sumiço. Voltei porque vi algo que doeu: Shackleton na pilha de auto-ajuda da livraria local.

Shackleton-mania

Shackleton é pop. Quando Caroline Alexander editou um livro e organizou uma exposição a partir das fotos de Frank Hurley, o fotógrafo do Endurance (a foto acima é dele), deu origem inadvertidamente à chamada “Shackleton-mania” no Reino Unido, com desdobramentos em outros países (ver referências bibliográficas ao final do artigo). Um efeito colateral desse fenômeno foi o ressurgimento no mercado editorial de obras relacionadas à chamada “Era Heróica” da exploração – de certa forma, este blog é parte desse efeito colateral. Se hoje há algumas prateleiras dedicadas exclusivamente a Viagens & Explorações na livraria local, isso se deve, em parte, à Shackleton-mania.

Mas a Shackleton-mania tem um lado medíocre. O mercado editorial de livros de administração e auto-ajuda viu na fantástica história de uma malfadada expedição antártica uma lição de liderança. Barabim, barabum, há livros ensinando a “maneira Shackleton” de administrar pessoas, ao lado de “Quem roubou meu queijo” e outras mediocridades.

Folheei um desses livrinhos. Uma tristeza. Intercalando com uma versão resumida da história, caixas de texto contendo obviedades ululantes e saltitantes como “trabalhe em equipe”.

Inquestionavelmente, esse irlandês foi o maior líder que já pisou na Antártica, talvez um dos maiores líderes que já saíram do Império Britânico. Seus subordinados, salvo exceções que eram exemplarmente punidas, o seguiam com uma confiança cega, literalmente, até o Inferno. A confiança era justificável, pois Shackleton jamais perdeu um homem sob seu comando direto – iam ao Inferno, mas voltavam vivos e ainda pediam para ir de novo. É, provavelmente, o único explorador da “Era Heróica” a não ter mortes em seu currículo. Sem dúvida, é esse aspecto que levou supostos gurus da administração a ver nele um exemplo de liderança, essa palavrinha mágica sem precisão conceitual que alimenta montanhas de publicações como Você S.A. e Exame. A suprema ironia é que Shackleton dificilmente pode ser considerado um bom administrador.

Shackleton foi um grande líder. Não é à toa o adágio antártico criado por Cherry-Garrard (cito de memória): “para uma viagem segura, Amundsen; para uma expedição científica, Scott; mas, se você estiver em apuros, ajoelhe-se e reze por Shackleton”. Porém, dificilmente Shackleton pode ser considerado um modelo a ser seguido por empresários e empreendedores: ele jamais conseguiu alcançar os objetivos traçados por ele mesmo para seus projetos.

Não me refiro só a expedições antárticas. O homem faliu em todo negócio que abriu, quebrou sua empresa de cigarros e vivia atolado em dívidas referentes a suas expedições. Um grande líder, um grande explorador antártico, certamente – mas qualquer empresa teria demitido um funcionário com o histórico de Shackleton. A “maneira Shackleton” de administrar – manter todos os empregados vivos e motivados, apesar de não atingir as metas de empresa – não seguraria executivo nenhum em seu emprego.

A Viagem do Nimrod

Após servir sob o comando de Scott na expedição do Discovery, retornando antes do fim da expedição a contragosto, aparentemente por um misto de escorbuto e desentendimento com o líder da expedição, Shackleton organizou uma expedição particular, a do Nimrod, com o objetivo declarado de ser o primeiro homem no Pólo sul. Como era uma expedição particular, Shackleton tinha consciência de que somente com o Pólo como chamariz poderia atrair a imprensa e com ela o dinheiro dos patrocinadores. Para os puristas que vêem uma mercantilização das expedições atuais, saibam que Sir Ernest – assim como todos os exploradores de sua geração que não tiveram apoio irrestrito de seus governos – vendia suas expedições, literalmente, de porta em porta, cedendo direitos de imagem, de publicação, participando de comerciais para biscoitos caninos, etc.

Apesar de não ter atingido a meta almejada, a primeira expedição de Shackleton como comandante não pode ser considerada um fracasso: bateu o recorde de mais alta latitude e descobriu a passagem por aquela que até hoje é a principal rota para o Pólo a partir da Plataforma Ross – a Geleira Beardmore. A meros 97 km do pólo, Shackleton se viu forçado a retornar. Apresentando já sinais de escorbuto e com a projeção de provisões indicando que não teriam comida e combustível suficientes para voltar, Shackleton escolheu sobreviver a ser lembrado como o britânico que chegou ao Pólo, mas morreu tentando voltar – destino que estava reservado a seu antigo comandante, o Capitão Scott.

Shackleton usou pôneis, o recorrente erro inglês em expedições polares. A queda de um dos pôneis em uma fenda, levando consigo muitas provisões, determinou o retorno precoce, tão perto da meta. Lendo The heart of the Antarctic, o relato da expedição do Nimrod, tem-se a impressão clara de que foi por puro azar que Shackleton não chegou primeiro ao Pólo, bastaria aquele pônei ter escapado da fenda, bastaria haver mais pôneis para fazer a travessia. Sou da opinião de que foi aqui que a tragédia de Scott no pólo começou a ser escrita.

Pergunto-me se, diante da comoção criada pela morte de Scott, Shackleton em algum momento teria se arrependido de não ter seguido até a morte, perecendo em alguma barraca esquecida no Platô Polar, mas com a certeza da imortalidade.

A viagem do Endurance

Conquistado o Pólo e ferido o orgulho britânico, Shackleton elaborou um mirabolante plano para atravessar o continente – um feito ainda mais difícil que a conquista do Pólo e que certamente levantaria os espíritos britânicos. A idéia era adentrar ao máximo no Mar de Weddel com o Endurance (nome dado em referência ao lema familiar de Shackleton, Fortitudine Vincimus/By Endurance We Conquer), estabelecer base na costa e marchar até o Pólo usando cães (ao contrário de Scott, Shackleton aprendia com os próprios erros). Simultaneamente, o Aurora partiria da base em McMurdo, na Plataforma Ross, e seguiria em direção ao sul pela rota da Geleira Beardmore, deixando provisões para a segunda metade da jornada de Shackleton.

Tudo que se possa imaginar deu errado na viagem do Endurance, mas ainda assim a tripulação sobreviveu. O Endurance encontrou condições atípicas de gelo, muito avançado para a estação, e acabou ficando preso no gelo antes de poder chegar à costa. Retornar não era uma opção: a Primeira Guerra Mundial fora declarada no exato dia em que o Endurance saiu do porto. Shackleton colocara o navio e a tripulação à disposição do esforço de guerra, mas recebeu lacônica ordem do Chefe do Almirantado, ninguém menos que Winston Churchill: “Proceed.” Esperar mais um ano por condições meteorológicas favoráveis teria sido injustificável. Presos no gelo, os tripulantes se entregaram à monotonia da longa noite polar esperando o verão para prosseguir viagem.

As correntes marítimas predominantes no Mar de Weddel seguem o sentido horário, comprimindo o gelo junto à ponta da Península Antártica. “Preso como uma noz no chocolate”, o Endurance seguiu à deriva por sete meses ao sabor da corrente. Apesar da temperatura crescente, o Endurance não conseguiu se ver livre do gelo, caiu no “mar de pressão” entre o Mar de Weddel e a Península Antártica junto aos enormes blocos de gelo que, inevitavelmente, esmagaram seu casco.

Perdido o barco, sem comunicação nenhuma – rádio era um luxo para a época; o governo argentino deu como presente um aparelho tosco para a expedição que só recebia, mas nunca funcionou – e sem que o mundo exterior desse por sua falta, havia uma guerra a ganhar, Shackleton juntou o que pôde em trenós e nos três botes salva-vidas e botou sua tripulação a arrastar tudo sobre o gelo, tentando atingir a península, onde se poderia esperar o resgate de um navio baleeiro.

Logo ficou claro que o deslocamento era patético demais para valer o esforço e o consumo de provisões. Relutante, Shackleton concordou em acampar no gelo e seguir à deriva, torcendo por condições mais “propícias”, se é que essa palavra pode ser aplicada nesta situação.

Cinco meses e meio depois, os botes foram lançados, já sem chances de atingir a Península. Muitas horas remando sem parar e sem dormir, os três barcos conseguiram achar a Ilha Elefante, uma das ilhas mais ao norte do arquipélago das Shetlands do sul, onde ninguém jamais havia botado os pés (vale lembrar que toda a navegação era feita com base no cronômetro, nos astros e nas tabelas de cálculo). Cinco meses e meio vivendo sobre o gelo, alimentando-se do que fora salvo do barco, de carne e gordura de foca e, quando a situação apertou ainda mais, dos cães.

Lansing descreve o martírio que era defecar nessas condições. A dieta baseada em carne e gordura de foca causava freqüentemente desarranjos intestinais nos membros da expedição, que tinham que localizar um bloco de gelo elevado o suficiente para fazer suas necessidades; não por uma questão de privacidade, mas para barrar o vento que congelava o fiofó à menor exposição. Neve era o papel higiênico. Fica por sua imaginação quanto tempo eles ficaram sem tomar banho.

Mas a Ilha Elefante, além de ser desabitada e de ter péssimas condições meteorológicas, não oferecia nenhuma possibilidade de resgate, não era rota de baleeiros. O pedaço de civilização mais próximo da ilha é a ponta da América do Sul ou ainda as Ilhas Malvinas. No entanto, esses destinos eram impensáveis, pois significaria atravessar a Passagem de Drake em um barco aberto. O destino mais provável era a Ilha Geórgia do Sul, ilha ocupada por baleeiros onde a expedição fizera sua última escala antes de atacar o Mar de Weddel. Shackleton partiu com um pequeno grupo para buscar resgate aos demais na Ilha Elefante. Uma jornada de 800 milhas náuticas nas águas mais revoltas do planeta em um bote improvisadamente adaptado para encarar mar aberto, até hoje um dos maiores feitos náuticos da história.

Shackleton superou mais esse obstáculo. Porém, em uma demonstração clara de que Deus é uma criança sádica, o bote chegou ao lado desabitado da ilha. Shackleton precisou ainda escalar uma cadeia de montanhas jamais mapeada, sem equipamentos, até chegar à estação baleeira.

O resgate dos homens na Ilha Elefante ainda demorou semanas de tentativas frustradas e má vontade do almirantado britânico, mais preocupado com a guerra. Até que, em um rebocador chileno nada apropriado para a tarefa, o Yelcho, toda a tripulação foi resgatada, todos vivos.

A expedição do Endurance é talvez o fracasso mais celebrado da história das expedições, ao lado da viagem da Apolo 13. A viagem do Aurora, por outro lado, não teve a mesma sorte: a outra metade da Expedição Imperial Transantártica conseguiu estabelecer os depósitos até a Geleira Beardmore, mas ao custo de vidas. A travessia do continente antártico só seria feita, com apoio aéreo e modernos tratores polares, no final dos anos 50, durante o Ano Geofísico Internacional, por Sir Edmund Hillary (sim, o mesmo do Everest) e por Sir Vivian Fuchs – ironicamente, segundo Hillary, o naufrágio do Endurance salvou as vidas da tripulação de Shackleton. Terminada sua travessia, Hillary afirmou que, dadas as dificuldades que enfrentou, não via como o plano de Shackleton pudesse ter sido bem sucedido.

De volta à civilização, ainda jogada nas trevas da insana Primeira Guerra Mundial, os membros da expedição não demoraram muito até irem para a linha de frente, onde muitos pereceram. Shackleton faleceu no início de 1922, de ataque cardíaco, na Ilha Geórgia do Sul, primeiro destino da expedição do Quest, na qual Shackleton reuniu muitos de seus antigos companheiros do Endurance em uma viagem sem um objetivo claro - talvez, apenas, despedir-se.


Para saber mais:
Em edição brasileira, há apenas três fontes sobre a expedição do Endurance que merecem ser citadas: o diário de Shackleton (SHACKLETON, Sir Ernest. Sul, a fantástica viagem do Endurance. Alegro, 2002), as imagens de Frank Hurley (ALEXANDER, Caroline. Endurance, a lendária expedição de Shackleton à Antártida. Cia. das Letras, 1999) e o incrível trabalho de Alfred Lansing sobre o tema, baseado em todos os diários escritos durante a expedição e em entrevistas com os sobreviventes lá pelos anos 50 (LANSING, Alfred. Endurance, a incrível viagem de Shackleton. Alegro, 2004). Há uma infinidade de livros em inglês sobre Shackleton e o Endurance, inclusive uma farta biografia feita por Roland Huntford, Shackleton, mas de tudo que li o livro de Lansing ainda é, de longe, o melhor.

Em DVD, citaria ainda o documentário dirigido por George Butler, narrado por Liam Neesom e escrito por Caroline Alexander, homônimo a seu livro, e a recriação dramática Shackleton, bastante fidedigna, com Kenneth Branagh no papel principal, dirigida e escrita por Charles Sturridge.