Talvez eu esteja com saudades do cerrado...
Juro que não vou fazer nenhuma piada fácil com objetos arquitetônicos fálicos de mau gosto napoleônico. Nem com o ridículo nome "Praça da Soberania", bolivariano pacas, algo de se esperar do último stalinista vivo no mundo.
Considero a praça inevitável, Niemeyer já disse que não abre mão do projeto (arrogante, o velhinho) e o escritório dele tem um bizarro poder de veto sobre qualquer coisa que é construída no Plano Piloto. Até acho válido o argumento "precisamos de mais estacionamento", isso realmente falta na Esplanada.
O que me irrita de verdade é como Niemeyer parece senilmente acreditar na confusão geral de que foi ele quem construiu Brasília. Só isso me explica como pode justificar o projeto apropriando-se de um conceito que JÁ ESTAVA previsto no Plano Piloto de Lúcio Costa, mas para o qual os encarregados de BSB nunca deram muita bola.
O tal "espaço de socialização" já estava previsto no Plano Piloto original, em diversos locais da cidade: a própria Rodoviária, a Praça dos Três Poderes e um parque às margens do Lago. O parque nunca saiu do papel e a orla do lago é a tristeza que sabemos, totalmente privatizada, ocupada por clubes ociosos. A idéia da Praça dos Três Poderes como ponto de encontro foi abandonada, lentamente ocupada por pombais, panteões e "puxadinhos" do Congresso e do Judiciário - ninguém se preocupou, por exemplo, em fazer um estacionamento decente lá perto, que atenderia tanto aos barnabés durante a semana quanto aos transeuntes no fim de semana. A Rodoviária foi entregue aos ambulantes e flanelinhas.
Ou seja, abandonaram pontos importantes do projeto original e agora querem colocá-los em outro lugar, mas nunca se incomodaram (nem se incomodarão) em recuperar as áreas degradadas - e ainda culpam o tombamento da cidade por isso!
É muita cara de pau do arquiteto uva-passa argumentar que a cidade precisa de um estacionamento quando o Museu da República, ali ao lado, não conta com um apropriado. O monopolista da arquitetura de BSB parece se esquecer também que não há "socialização" que agüente estar exposto ao sol do cerrado em uma enorme superfície de concreto que absorve o calor e reflete tanta luz que mal é possível abrir os olhos.
Enfim, por mais que seja inevitável ou até mesmo necessária, por melhor que a construam, acho a Praça da Soberania um injustiça grande com Lúcio Costa. É dizer, "olha, o tiozinho do bigode tinha boas idéias no seu projeto, mas esquece, a gente não executou bem. Então chamamos seu parceiro mais famoso para dar uma ajeitada, só que em outro lugar".
BSB tinha que sair da sombra de Niemeyer e recuperar seu gênio verdadeiro, o injustiçado e muitas vezes esquecido Lúcio Costa. Cansei dos não-candangos darem crédito indevido a Niemeyer pela construção de minha cidade de adoção. BSB é de Lúcio Costa: morar no Plano Piloto é muito bom, por mais que você seja um carioca recalcado com a mudança da capital (superem, por favor). Já trabalhar ou estudar em um prédio de Niemeyer é sempre uma bosta, por mais bonita que seja a maquete.
PS: de um amigo meu "Oscar Niemeyer é a Dercy Gonçalves da arquitetura"