30 março 2006

Tinha um russo, um americano e um brasileiro em um foguete...

...parece piada pronta (Brasil vai lançar foguete...), mas o Tenente-Coronel Marcos Pontes foi para o espaço.

Antes que os mais céticos e cínicos digam que é só uma jogada de marketing, é necessário ressaltar a importância desta viagem. Não por ufanismos tolos, não pela bandeira do Brasil e a camisa da seleção terem sido colocados em órbita. A viagem do Tenente-Coronel Marcos Pontes deve ser colacada no contexto apropriado, é um marco no Programa Espacial Brasileiro, que por sua vez nos coloca em um restrito grupo de países que detêm tecnologia espacial, o que tem aplicações militares e industriais fantásticas, de sistemas de mísseis à armação dos seus óculos. É possível questionar a viabilidade do Programa com a atual alocação de recursos, é até válido perguntar se realmente precisamos de um programa espacial. Mas uma vez existindo um programa espacial, é tolice desmerecer a viagem do astronauta brasileiro.

Em minha primeira semana de trabalho, fui enviado para uma reunião na Agência Espacial Brasileira para acompanhar a negociação dos termos do acordo com os russos que garantiu o lugar do astronauta brasileiro na Soyuz. O fato de terem enviado um novato indica que a reunião não tinha lá muita importância, mas eu estava todo feliz porque meu trabalho me levou a conhecer o astronauta. Houve uma época em que eu queria ser astrônomo quando crescer. No almoço em uma churrascaria de Brasília, no meio daquelas relíquias da Guerra Fria, eu garanti meu lugar na mesa ao lado do Tenente-Coronel. O cara não é só obviamente competente - ninguém é astronauta por acaso - mas também ganharia qualquer concurso de simpatia.

Nunca estive em uma reunião onde o único assunto em pauta fosse minha ida. Nunca estive tão perto. No automóvel de volta à Agência, eu vi Marcos Pontes se transformar na criança que queria ser astronauta quando crescer, só faltava pular. Depois de 7 anos de preparação e constante treinamento na NASA, atrasos no programa espacial norte-americano estavam por impedir a concretização de todo um projeto de vida. Mas aquela reunião voltava a botar tudo nos eixos, era a volta por cima. Imagine trabalhar por algo por quase uma década, ver tudo ser colocado a perder, e depois recuperar, subir ao espaço. Me deu uma nova perspectica sobre expectativas frustradas...

E há alguns minutos atrás assisti ao foguete subir pela TV a cabo, morrendo de inveja da minha chefa que está lá em Baikonur. (Chame-me de supersticioso, mas confesso que tive medo de dar algo errado: é a 13a missão à Estação Espacial Internacional, o nome da missão faz referência ao Pai da Aviação e há até uma réplica do chapéu do homem na bagagem...sei lá, me parece mandinga demais....) Só lamento o narrador do evento der sido o Cléber Machado...e minha estupidez por não ter tirado uma foto com o astronauta quando tive chance.

Boa viagem, astronauta.

Update 31/3: Lendo os jornais pela internet, vejo que uma crítica constante é que a viagem seria uma "jogada eleitoreira" de Lula. Exagero. Claro que em ano eleitoral o Presidente vai faturar em cima da viagem do astronauta, mas a decisão de mandar um brasileiro para o espaço foi tomada há quase dez anos atrás. Se mandar alguém para a Estação Especial Internacional não é prioridade para o Programa Espacial Brasileiro, como afirma outra crítica presente na mídia, deviam ter pensado nisso antes de investir no treinamento do astronauta. O que realmente procede, a meu ver, é a crítica de que nossa participação na ciência e na estrutura da Estação deixa a desejar. Verdade, não foram entregues as peças que nos caberiam. Mas isso não tem nada a ver com a viagem. Pelo contrário, a presença de um astronauta brasileiro é sinal de nosso comprometimento com esse projeto de cooperação internacional, ainda que as restrições orçamentárias tenham comprometido nossa plena participação científica. Cabe agora usar a viagem como catapulta para recursos ao Programa Espacial Brasileiro como um todo.

27 março 2006

Rompendo estereótipos

Consciente de minha função aqui como representante dos mais altos valores da pátria mãe e cioso de não manchar a imagem do escrete nacional em ano de Copa do Mundo, resisti bravamente aos convites de meus colegas para bater uma pelota com a desculpa de que não tenho calçados apropriados.

Foi inútil, me emprestaram um par de tênis e agora uma vez por semana faço algo que não fazia há muitos e muitos anos: corro atrás de um objeto esférico tentando fazer um gol. De repente, estou de volta ao campinho do colégio, demonstrando total incapacidade futebolística e extrema falta de coordenação motora, sendo o último a ser escolhido para o time e vendo que os companheiros de time preferem encarar o marcador a passar para mim.

E depois passo dois dias com dores musculares, amaldiçoando meus anos de sedentarismo, minha falta de fôlego e os parafusos de titânio nas minhas costas. Mas é o preço pela integração regional. Felizmente, os demais jogadores também eram nerds na escola e a diferença entre nossas habilidades não é tão abissal quanto no campinho do colégio, em termos relativos, portanto, estou batendo um bolão. Mas ainda sou o pior jogador brasileiro da história, uma frustração para quem se alimenta do estereótipo futebolista brasileiro.

Aguardem até o começo de minhas aulas de tango. Romperei mais um clichê, de que brasileiros sabem dançar. Mas pelo menos o farei com estilo, nos braços de alguma garota.

24 março 2006

Una larga noche

Trinta anos atrás, na madrugada de 24 de março de 1976, uma junta militar ocupou a Casa Rosada, prendeu a Presidente Isabela Perón, e deu início à última ditadura militar da Argentina. É assim mesmo que os argentinos se referem ao período, a "última ditadura militar" - um lembrete de que a história local é repleta de golpes de estado, 1976 foi apenas o mais recente, e um suspiro de esperança de que essa história não se repita.

Há alguns fatores em comum entre os últimos regimes militares no Brasil e na Argentina. Em ambos os casos, o deposto era um vice que ocupava a presidência devido a alguma tragédia - a morte de Perón no caso argentino, a estupidez de Jânio no caso brasileiro. Em ambos os casos, o deposto não correspondia ao peso de suas novas responsabilidades, abrindo um vácuo de poder que seria ocupado por fardados armados paranóicos embuídos de um sentido de missão que consideravam quase divina: eliminar os "subversivos" do país e alcançar um grau de desenvolvimento que consideravam impossível para civis corrompidos pela política. Esqueçam as teorias de conspiração que aprenderam no segundo grau, a longa noite latino-americana foi gerada em nossas próprias sociedades.

Acho que a diferença entre matar 3.000 e 30.000 é meramente quantitativa, não qualitativa - o pecado é tão grande que não permite gradações. De qualquer forma, é consenso que a ditadura argentina foi ainda pior que a brasileira, matou mais e não tinha certos pudores no exercício do poder, como manter o Congresso aberto. Como conseqüência, enquanto nossa transição para democracia foi "lenta, gradual e segura", a Argentina sofreu um processo mais abrupto, catalizado pela Guerra das Malvinas, muito mais rancoroso, com muito mais dor.

Ao contrário do Brasil, onde até mesmo aqueles que foram torturados pela ditadura e estão hoje no poder resistem a divulgar as pilhas de documentos secretos que poderiam levar a uma caça às bruxas, aqui as violações sistemáticas de Direitos Humanos cometidas pela ditadura militar são consideradas crimes contra a humanidade, não prescrevem. Conversando com meus colegas argentinos, fica claro que a questão é extremamente delicada. Chegam a baixar a voz ao falar do assunto. Um verdadeiro tabu, especialmente para aqueles que têm parentes militares. Há uma espécie de sentimento de culpa coletiva no ar, da mesma forma que alemães que nasceram depois da guerra não falam sobre Hitler.

Há poucas semanas, o 24 de março foi declarado feriado nacional - hoje é a primeira vez que a data é "celebrada". A maioria dos feriados na Argentina faz referência à morte de algum herói nacional, mas houve alguma polêmica se a data do golpe deveria ser lembrada com uma folga do trabalho. Mas mesmo as Avós da Praça de Maio vieram a apoiar a iniciativa do governo, com o entendimento de que o feriado não é um dia de comemoração, mas um dia para luto.

Me pergunto se a abordagem argentina, expurgar os pecados da ditadura militar com rancor e dor, não é melhor que nossa anistia ampla e irrestrita. Certas coisas não podem ser esquecidas, sob pena de se repetirem.

14 março 2006

Jeitinho porteño

Todo paulista sabe que no Rio de Janeiro deve contar seu troco direitinho e ter cuidado com prestadores de serviços a turistas, taxistas, etc. Meu ponto não é que cariocas sejam sacanas - há aproveitadores em todos os lugares - meu ponto é que algumas situações, como ser paulista no Rio de Janeiro, por exemplo, deixam um estrangeiro em situação vulnerável.

Buenos Aires, obviamente, não é diferente, e as hordas brasileiras que invadem periodicamente a cidade desde a desvalorização do peso são um alvo preferencial. As primeiras coisas que me alertaram quando cheguei foi "não confie nos argentinos" e "só tome os rádio-táxis".

A dica dos táxis é realmente importante. Futuros visitantes, anotem. Você nunca verá tantos táxis tão baratos quanto em Buenos Aires, mas tenha a preocupação em tomar aqueles que anunciam serviço de rádio-táxi no teto; são mais confiáveis. Distraído, ignorei esse alerta na semana passada e o motorista teve a cara-de-pau de tentar me passar uma nota de 50 grosseiramente falsificada (a tinta estava borrada!!), dizendo ainda que era de uma série nova e que eu não teria que trocar no banco. Ao reclamar, o safado tentou me empurrar outra nota falsa, de 20. Che, me tomas por boludo?!

Os próprios argentinos não-portenhos têm esse tipo de preocupação. Saí para tomar uns tragos com uns colegas outro dia; para evitar trampas, faziam questão de ir até o bar comigo e transmitir meu pedido ao garçom, evitando desperdício de valiosos pesos.

Uma coisa é desconfiar de todos quando se está em visita, mas quando se está vivendo no lugar (ainda que só há duas semanas) pode se tornar um tanto irritante. O jeito é relaxar e me acostumar, como os locais; da mesma forma que um carioca conta seu troco direitinho e o paulistano acha normal passar 4h por dia dentro de um carro.

13 março 2006

Dos maiores elogios que recebi

De um militar:

Você ainda será demitido por incompatibilidade com a função...
De uma colega argentina:

Você não tem perfil de quem ficou entre os primeiros na sua classe...
Não se trata de distorção na percepção do receptor, as duas frases foram expressamente ditas como elogio. Não digo para me gabar, não....é só para dar uma idéia da imagem que projetam por aí.

02 março 2006

Buenos Aires. Primeiros dias.

Cheguei a Buenos Aires com 15kg de roupa suja. E só.

Uma amiga querida foi me buscar no aeroporto. Ela é uma santa, conseguiu lugar em um hotel baratinho na última hora, tarefa quase impossível devido à invasão de brasileiros que ocorreu aqui durante o Carnaval e ao show do U2, que esgotaram a capacidade hoteleira da cidade. Estou agora em um apart-hotel bem charmoso e com uma tarifa promocional sugerido pela Embaixada. Tengo dirección y teléfono, mas não sou doido de postar aqui. Interessados, favor mandar email.

O hotel anterior era em uma parte um tanto pitoresca da cidade, onde se concentram as casas de strip. Não era possível andar mais de uma quadra sem receber uma papeleta para um desses estabelecimentos comerciais-recreativos.

Mas também era na área dos Irish Pubs. Você sabe que a civilização chegou a algum lugar quando você encontra Guiness Draft (de latinha não serve). Poucas coisas no mundo, nem o McDonald's, são mais universais do que um Pub Irlandês. Seja em que buraco do planeta for, você sabe o que vai encontrar, e sabe que será bom. (St. Patrick's se aproxima...)

Meu primeiro dia foi dedicado a comprar um terno para o trabalho em algum lugar que fizesse os ajustes no mesmo dia. Sem muitas opções de barganha e com informação assimétrica, fiz como todos os outros brasileiros na cidade e passei o dia na Calle Florida, vestindo minha calça e jaqueta austrais impermeáveis - o resto da roupa ficou na lavanderia.

Para minha surpresa, não me ofereciam papeletas de lojas para turistas vendendo couros e souvenirs. Não sei se fico feliz por não ter cara de turista ou se fico triste por ter cara de turista pobre, ou pior, cara de argentino.

Dia dois, terça, apresentação no trabalho, que só soube de minha chegada na véspera de Carnaval ao final do expediente e, conseqüentemente, não tinham muita idéia do que fazer com o novato aqui. No dia seguinte, segui para o Isen, onde estudarei. Esperavam um brasileiro para um semestre, receberam dois que ficarão um ano. Tampouco sabem direito o que fazer com a gente.

As aulas ainda não começaram para valer, ontem houve apenas a carimônia de abertura de trabalhos. E aí comecei a perceber outras coisas universais. Todo primeiro dia de aula, em qualquer lugar, é igual: os veteranos checando a nova turma atrás de quem é gostosa; os intercambistas sendo recebidos com curiosidade e expostos pelos diretores como animais de algum show de curiosidades; novatos empolgados e sem noção de onde estão se enfiando; veteranos sem saco para voltar às aulas; veteranos felizes de voltar às aulas porque estas significam o fim dos estágios e a volta das tardes livres.

Na verdade, do que vi até agora, é tudo assustadoramente parecido com o Rio Branco. Sabe o filme "Nueve Reinas"? Fizeram uma versão americana, exatamente o mesmo roteiro com algumas poucas adaptações, ambientado nos EUA; chamou-se "171" no Brasil. Pois é, estou com uma sensação parecida. Mesmo roteiro, outro cenário. "Rio Branco 2 - A missão" - ahora en español.

Ainda não tive tempo de curtir a cidade, mas já dá para perceber que vou adorar isso aqui...