28 novembro 2005

A Concepção

Adoro BSB. Apesar de ser tão longe de minha saudosa Camburizinho, foi aqui que me auto-degredei já vão quase oito anos, uma das escolhas da qual não me arrependo, e é aqui que vou fazendo minha vida.

Uma das coisas que eu adoro em BSB é o fato de ninguém realmente ser daqui, mesmo as pessoas que eu conheço que nasceram e foram criadas aqui mantém laços fortes com os locais de origem de suas famílias. Isso tem duas conseqüências interessantes: a primeira é que BSB é cosmopolita para dentro, é "naciopolita" ou "brasipolita", um pouco de todo o Brasil está aqui; a segunda é que a ausência de uma identidade bem definida atualmente implica que estamos em pleno processo de formação dessa identidade.

Daí que é bacana assistir a eventos que ajudam a construir essa identidade. Refiro-me ao longa A Concepção, de José Eduardo Belmonte, que assisti ontem no Festival de Brasília.

(Parênteses: Não sou fã do Festival de Brasília, para dizer a verdade, não gosto mesmo. Tive experiências cinéfilas ruins lá. Todo aquele clima de oba-oba pseudo-intelectual me irrita, só não mais do que o comportamento da platéia, gritando, aplaudindo e vaiando a todo instante. Cinema não é uma arte interativa. Fecha parênteses.)

Minha impressão é que A Concepção é a versão candanga de Os Idiotas, do dogmático dinamarquês Lars Von Trier. Para quem não gostou do filme, quero deixar claro que faço essa referência como elogio.

Brasília é o cenário dessa história que envolve uma experiência frustrada de comunidade alternativa, baseada em drogas e fraudes de cartão de crédito. Não me agrada a interpretação padrão de que é um "retrato" da "juventude perdida" de Brasília. Não seria o primeiro filme a fazer isso, aliás, apesar de certamente fazer melhor.

Com exceção de umas referências à seca no começo da película, Brasília é tratada de forma até bastante respeitosa. É o cenário da história, não a causa da "perdição" dos concepcionistas. A Concepção
poderia ser retratada, com poucas adaptações, em qualquer lugar. Foi feita em BSB porque o diretor tem vínculos com a cidade.

O que me traz de volta ao ponto inicial, A Concepção é um exemplo do processo de formação da identidade local, que vai aos poucos se consolidando. Finalmente, um filme se passa em BSB, feito por quem conhece a cidade, sem que o propósito do filme seja esculhambar a Brasília-barnabé do imaginário coletivo nacional ou louvar a Brasília-pioneira. É um produto cultural candango, feito não só para candangos. Salve, salve, é candango e não faz referência a JK, é candango e não se trata de política.

É candango de verdade. Como diz o narrador em uma das primeiras cenas, "você não sabe como é SER de Brasília. Não viver aqui porque o pai foi transferido para a capital, mas realmente SER daqui." (algo assim, cito de memória)

Estão lá o pessoal da UnB de figurante, as tesourinhas, a seca, as superquadras, os pilotis, etc... tudo isso é BSB, mas contando uma história com a qual qualquer um pode se conectar: a busca da identidade, nem que seja pela "morte ao ego!" e pela "reivenção de si mesmo a cada dia". Talvez a louca busca de identidade dos concepcionistas possa ser entendida como a própria falta de identidade de BSB à qual me referi acima. É interessante o paralelo entre a alternância de sotaques dos personagens e a ausência de um sotaque característico de BSB, por exemplo. Mas essa interpretação já é viagem demais.

Seja como for, A Concepção fala para o mundo a partir de Brasília sem o fazer voltado para o próprio umbigo (seria a Torre de TV?). Isso me parece um sintoma de que BSB chega a uma nova fase em sua busca por identidade, além dos estereótipos.

Vão ver. Se não pela cidade, vão ver pela atriz que interpreta Liz, Rosanne Holland (vista aqui em um ensaio que não lhe faz plena justiça). Linda. Saí apaixonado. Só ela já valeria o ingresso.

PS 29/11: Não é o único filme Candango-made da safra deste ano, há também As vidas de Maria, de Renato Barbieri. Não vi, mas comentários de amigos não me animaram também. De qualquer forma, me parece que reforça o argumento da consolidação da identidade local.


25 novembro 2005

Um minuto de silêncio

Abaixem as cabeças e façam um minuto de silêncio.

25.11 - um ano deitado na rede

(Modificado)
Um ano do Crônica do Explorador Deitado na Rede. 2.132 visitas, mais umas outras tantas page views. Boa parte delas por mim mesmo, como ponte para outros blogs e relendo minhas atualizações - quase como se o blog fosse tomar vida própria e postar sozinho.

Muita coisa mudou desde novembro de 2004, entre elas o foco do blog, que distanciou um pouco de crônicas de viagens e exploradores para algo mais pessoal. We commonly do not remember that it is, after all, always the first person that is speaking. I should not talk so much about myself if there were any body else whom I knew as well. Unfortunately, I am confined to this theme by the narrowness of my experience. (Thoreau)

No fim das contas, talvez não seja uma mudança de tema tão grande. Como disse outro filósofo de minha preferência, "Let's go exploring".

Não posso deixar de enviar um abraço a meus fiéis leitores, por me aturarem e terem resistido à minha retirada de seus agregadores RSS.

Vamos todos juntos encher um fusquinha e sair para comemorar.

24 novembro 2005

Fotos, fotos e mais fotos

Eu não fazia idéia de como o Flickr é bacana. Estou colocando as fotos da Tasmânia lá aos poucos, mas já há um album de fotos com meu afilhado.

Ainda não consegui absorver todas as possibilidades de interação do Flickr com o Blogger, mas chego lá. A idéia é que eu faça upload de fotos com freqüência, para matar o verme da família (principalmente) por fotos do filho que se auto-degredou para o cerrado.

Viciei, já antevejo a necessidade de pagar pela assinatura premium.

Vai lá: http://www.flickr.com/photos/camburizinho

Update: Falei que tinha viciado...quase estouro o limite de uploads do mês, por isso tive que maneirar e ser mais seletivo nas fotos, então não estranhem uma certa desproporcionalidade dos temas.

20 novembro 2005

Marmelada

Depois de hoje, alguém aí tem dúvida que esse campeonato foi comprado??

18 novembro 2005

E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará

Tio Alex está certo.
(eu não fui abandonado. fui traído.)
Sensação esquisita constatar que a concretização de seu medo mais primal, no fim das contas, te liberta. Gosto de desilusão com alívio, misturados com vodka.

Talvez a resposta esteja em Tyler Durden: It's only after you've lost everything that you're free to do anything.

Adiante.

17 novembro 2005

Zen e a arte de ser barnabé

Nunca senti atração por filosofias orientais, talvez até por nenhuma filosofia organizada e sistematizada. No entanto, após um almoço com um colega mais escolado nesses temas, descobri que exerço uma função Zen.

Segundo me recordo da exposição do colega, Zen é a arte budista de encontrar o eu-interior por meio da meditação e técnicas de repetição, a ponto de transformar a mente em um completo vazio, levando o praticante encontrar sua verdadeira natureza e a executar seus atos de forma perfeita, inconscientemente.

Creio que, após 18 meses de funcionalismo público, atingi esse estado. Passo os meus dias Zen. Minha mente é um completo vazio, distribuo expedientes e elaboro retransmissões de forma perfeita, automática, inconsciente.

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Update: Fui alertado para o fato de que escrevi bobagem aí em cima, que a história do consciente/inconsciente tem sinais trocados. A verificar. Como eu disse, não entendo picas do assunto mesmo. Alguém pode prestar esclarecimentos? O post permanece, assim como minha mente permanece um vazio.


14 novembro 2005

Teoria da relatividade

Campeonato Brasileiro de Dingue. Comprei o barco ano passado pq queria aprender a velejar. Me meti a participar de regatas, pq achei que assim aprenderia melhor. Aprendi que sou um péssimo auto-didata e que não deveria ter olhado com desprezo para aqueles brinquedos que alegadamente melhoram a coordenação motora.

Sou o velejador mais regular de Brasília. Sempre cheguei em último lugar, mas estou sempre lá. Encontro consolo no fato de que com o peso extra de meu barco mais o peso extra de minhas gorduras, é como se eu carregasse um tripulante de 60 Kg a mais do que os outros - apesar de saber que mesmo com o melhor barco e uma tripulação no peso mínimo, ainda assim não chegaria entre os primeiros. Mas não vou para competir, vou para me divertir.

Sábado, primeiras três regatas do campeonato. Deu tudo errado. Nem tirar o barco da rampa eu consegui direito, raspei a bolina nas pedras do cais (em minha defesa, o nível do Lago Paranoá está muito mais baixo do que o normal). Em duas regatas fui desclassificado por ter chegado muito tempo depois do primeiro colocado. O mantra "não vou para competir, vou para me divertir" foi para as cucuias.

Se eu tivesse um galão de gasolina no carro, tinha tacado fogo no meu pobre barco, mesmo sabendo que ele nada tem a ver com isso, que o problema é o timoneiro. Seria apenas catártico.

Domingo, segundo dia de regatas. Tudo errado, de novo. Tive dificuldades para tirar o barco da rampa E para trazer de volta. Em uma cena digna dos Trapalhões, meu proeiro quase cai na água atrás da escota, que eu soltei displicentemente.

Com uma diferença. Terminei em penúltimo as duas regatas. Por alguma razão que ainda não entendi, cheguei a estar no bloco da frente e montar a primeira bóia com seis barcos atrás de mim, só depois fui inevitavelmente perdendo posições.

Aposto que você nunca soube de alguém comemorar o penúltimo lugar.

De onde infiro a aplicação da Teoria da Relatividade para a Felicidade. Não no sentido que você precisa estar rodeado de gente na merda para se sentir melhor. Você estará feliz em t1 se F1 for maior do que F0 em t0, onde F é sua felicidade medida em valores absolutos e t é a unidade de tempo. Independe dos valores de F1 e F0, mesmo que eles sejam uma merda, muito abaixo do F médio dos demais indivíduos da população.

08 novembro 2005

Cidadania

Mesmo no berço da democracia ou em sociedades supostamente civilizadas, a cidadania - uso pleno de direitos e deveres - sempre foi uma questão, de certa forma, relativa, oficialmente ou não. Exemplos: na Grécia antiga a categoria "cidadão" não se aplicava a mulheres e escravos; o voto já foi censitário em muitos lugares (ainda é em algum?); aborígenes sequer eram contados pelo censo australiano até os anos 60; o apartheid na África do Sul; a segregação racial nos EUA pré anos 60....a lista pode chegar a muitos e muitos posts, e nem precisaríamos dar algum exemplo brasileiro. O que quero dizer, apenas, é que ainda hoje há cidadãos com mais direitos que outros, há diversas classes de cidadania, por assim dizer.


Desde ontem, deixei de ser um cidadão brasiliense de segunda classe. Voltei à primeira divisão. Agora posso exercer plenamente meu direito de ir e vir e, assim, ser igual aos que são mais iguais que os outros.


Comprei um carro.

07 novembro 2005

Tweety

Quando meu velho acha que estou reclamando de barriga cheia, ele diz: "O seu problema...é falta de problema". Sempre que vou a um país desenvolvido, essa frase me vem à cabeça.

Ler as manchetes dos jornais locais na Tasmânia é um exercício do tipo de (falta de) preocupação que se tem quando se está em um país desenvolvido. Tirando o encalhe em massa de 130 baleias em Marion Bay, que foi notícia até aqui, e um ou outro julgamento de um serial killer, as preocupações jornalísticas eram coisas do tipo "Senhora de 75 anos espanta ladrão gigante de sua casa".

Uma notícia em particular, esta em um jornal matutino na TV, chamou minha atenção. Um túnel em construção em Sidney cedeu e criou uma enorme cratera que afetou a estrutura de um prédio residencial. Os habitantes foram retirados às pressas, o buraco foi tapado com muito concreto, mas ainda assim condenou o prédio definitivamente. As imagens chegaram a captar a queda de toda uma varanda de canto. Muita gente perdeu tudo.

Até aí, nada demais, nada que um brasileiro não veja acontecer todo ano durante a estação de chuvas em alguma capital - com a diferença de que os antípodas lá provavelmente tinham seguro. O que chamou minha atenção foi o enfoque dado pelo jornal. Nada de pessoas chorando a perda de seus bens materiais, nada de pessoas revoltadas com a prefeitura, ninguém se importou muito com aqueles que perderam seus trapinhos por causa de um erro de cálculo de um engenheiro qualquer. Todas as atenções estavam direcionadas para Tweety, a cacatua de estimação de um dos condôminos do primeiro andar que, na pressa, não foi retirada do prédio.

As atenções do país estavam direcionadas para o destino do pobre pássaro nativo, preso em sua gaiola, com água e comida para um dia apenas, mas que não podia ser retirado devido ao risco do chão ceder ao peso de um ser humano. A tensão! O desespero!

Tweety acabou sendo heroicamente resgatada por um robô munido de braço mecânico que originalmente foi construído para desarmar bombas, daqueles que a gente vê em filmes. O país inteiro aplaudiu.

De volta ao Brasil, vejo em nossas manchetes algo como "Fidel Castro desviou dinheiro do Banco do Brasil para financiar a compra do Campeonato Brasileiro pelo Corínthians". Estourei o cartão de crédito e devo até as calças. Meu time perde de 7x1. Volto para uma casa abandonada, sem eletrodomésticos e com um vazamento monstruoso. E muita, muita dor de cabeça.

...ai, que saudadades do Tweety....

04 novembro 2005

A caminho de casa

Parte da atracao desta viagem era espairecer um pouco, colocar umas ideias no lugar....agora q meu retorno se aproxima, nao tenho a menor pressa de voltar....as noticias que recebo de brasilia soh vem me dar dor de cabeca, nao estou nada ansioso pela semana que chega em breve.....

ps: tenho alguns posts prontos que serao publicads retroativamente qdo voltar...

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Update:

Os dois posts que estavam no laptop foram postados abaixo. A reuniao acabou, agora resta fazer as malas e cair na manguaca, na tentativa de virar a noite e antecipar o jetlag em algumas horas. Aparentemente terei dificuldades em minha conexao em Sidney....Ateh Brasilia.

02 novembro 2005

Miss CCAMLR 2005 - Les pieds de Julie

Algumas situações com superpopulação masculina tendem a criar o "efeito caserna", quando algumas mulheres são supervalorizadas, não por sua beleza, mas pela falta de referência feminina nos arredores. Seria certamente o caso desta reunião, onde todos os machos olham babando e suspirando para Julie, delegada da administração dos "Territórios Austrais Franceses", se não fosse pelo fato de que ela é realmente linda.

Loirinha, pequenina, magrinha, poderia ser mais uma de milhares de loiras-bonitinhas-mas-sem-sal. No entanto, tem uma sensualidade natural que é potencializada por aquele sotaque francês "eu-sei-que-sou-gostosa". Tem até uma bundinha apetitosa, que é raridade entre gringas.

Sem fotos, mas fiquem com esta ilustração: não sou nenhum tarado por pés, mas hoje a Julie veio com uma sandalinha, toda fresca, como se não estivesse no paralelo 42 sul, pintou as unhas em um tom escuro, aneizinhos nos dedos dos pés....nóssinhora! Causou uma ereção. Se há algum podolótra por aqui, está sofrendo muito, pq eu que não sou, estou.

01 novembro 2005

Fato social total

Por razões óbvias, entendo que um país pare por 90 minutos, ou até mais, devido a um evento esportivo, especialmente se estivermos falando de um esporte coletivo ou um ídolo nacional.

Ainda assim, falho ao tentar entender o evento de hoje à tarde. O país inteiro parou para assistir a Melbourne Cup, a mais tradicional corrida de cavalos dos aussies. Um evento nacional daqueles que antropólogos estudam para gerar inferências sobre todo um povo. Interromperam a reunião e usaram o projetor da sala de conferência para exibir o evento. Este ano aparentemente foi especial, pq a égua vencedora, apesar da idade e do sobrepeso do jóquei (58 Kg. Sobrepeso!?), venceu pela terceira vez consecutiva, feito inédito que alegadamente a torna o melhor cavalo da história.

O fato curioso é que uma corrida dessas dura apenas 3 minutos. Não é suficiente sequer para tomar um pint. Ou seja, uma rapidinha. Em comparação, um jogo da Copa do Mundo é uma orgia. Ainda assim, é desculpa suficiente para parar tudo.

Parte da explicação, claro, é o volume de apostas gerado por esses breves eventos - que me fazem lamentar o fato do jogo ser monopólio estatal em minha terra.....apostei 8 dólares, ganhei 20. Tomarei um pint esta noite por conta de uma égua Makybe Diva.

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Update 04/11

Pequenas curiosidades locais:

- Nao ha cachorros pela rua neste lugar....serah que os demonios incluiram cachorro em suas dietas?

- Tirando uns Wallabies que vi em breve "safari fotografico" com alguns colegas em um carro alugado, nao tive oportunidade de ver nenhum dos bichos endemicos que tanto agucam a curiosidade sobre a Australia. No entanto, em conversa com os locais, achei engracado ver que, ao contrario da imagem que temos de coalas fofinhos e cangurus camaradas, esses bichos sao vistos com um certo asco por aqui, sao fedidos, agressivos, tem unhas e dentes enormes e cheios de bacterias.

- Wallabies (uma especie de canguru pequenino), conforme o Capitao Cook descreveu pela primeira vez, realmente parecem com lebres. O gosto eh melhor, no entanto.

- Guiness aqui eh tao cara qto no Brasil, assim como ferragens para barcos.