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09 janeiro 2009

Crônica de uma viagem ao Cabo Horn

Essa é uma versão extendida de um artigo que publiquei na Edição 29, de abril de 2008, da Revista V (sim, podem me acusar de nepotismo) - em excelente companhia, a Mariana Ximenes estava na capa. A viagem foi realizada no fim de 2007 e incluiu ainda uma visita a glaciares do lado chileno da Terra do Fogo, o que ficou de fora do artigo. Foi a primeira vez que publiquei algo em papel, gostei da experiência, mas, por alguma razão que ainda não sei bem explicar, desde a publicação do artigo deixei o blog praticamente às moscas. Para retomar o Crônica, nada melhor que começar de onde se parou.

“Relaxe, é o fim do mundo” – diz o slogan local estampado no moderno aeroporto de Ushuaia. Como muitas mecas do turismo, Ushuaia cresce rápida e desordenadamente, as estancias mais próximas da cidade foram loteadas para construção de hotéis – a terra vale mais assim do que como pasto para ovelhas, me explica o taxista. Milhares de turistas convergem no verão para o ponto mais austral da Argentina, alguns para longas caminhadas nos bosques da região, mas a enorme maioria proveniente dos cruzeiros marítimos que lotam o pequeno porto local, parada obrigatória a caminho da Antártica ou dos canais da Terra do Fogo. Hordas de aposentados vestindo agasalhos idênticos de “expedições extremas” circulam pelas pequenas avenidas comprando souvenirs, brincando de explorador polar, em busca de um carimbo em seu passaporte que prove que foram mais longe do que seus colegas de carteado.

Enquanto isso, o jornal local, com o nada criativo nome de Diário del Fin del Mundo, mostra na capa um acidente de trânsito sem vítimas fatais e, na página 3, fotos de cachorros disponíveis para adoção no canil da cidade. Para os locais, o fim do mundo não deixa de ser apenas um fim de mundo.

O objetivo de minha viagem é de Ushuaia ir um pouco mais além, até onde o vento faz a curva, o Cabo Horn, 55°59′ S, 067°16′ W. Localizado em território chileno, o Horn é o último pedacinho da América. Entre ele e a Antártica há apenas um mar sem fim, açoitado por violentos ventos e ondas que circundam a Terra sem obstáculos. As lendas náuticas dizem que o Diabo tem morada por essas ilhas, de onde controla enormes correntes que arrastam navios para a costa. São lendas justificáveis: nos estertores da navegação comercial à vela, quando o temido cabo era a única rota entre o Atlântico e Pacífico, inúmeros naufrágios garantiram a reputação do lugar - e muitas empresas de navegação contribuiram para essa reputação ao naufragar seus obsoletos veleiros de olho no dinheiro do seguro. Hoje, é um dos altares sagrados da vela, um desses lugares sobre os quais qualquer velejador fala com venerável respeito, como um alpinista fala do Everest.

A idéia é simples: já que estou aqui, tão longe, por que não ir um tantinho mais? Está logo ali.

***

Minha parca experiência náutica, porém, impõe sérias limitações. Se o Horn é o Everest da vela, um sherpa vai me carregar nas costas. O mérito da travessia é todo do guia. O táxi me deixa no pequeno e enferrujado pier do clube náutico local, onde estão pouco mais de uma dúzia de veleiros preparados para altas latitudes.

O comandante que me levará até o Horn é Alejandro “Mono” Da Milano em seu veleiro, o Mago del Sur. Uma pequena lenda na Argentina, Mono Da Milano é famoso não só por uma proverbial resistência ao mau tempo e ao frio, adquirida após percorrer milhares de milhas náuticas em regatas e travessias oceânicas, mas também por ter sido integrante da seleção argentina de rugby, aquele “esporte de animais, disputado por cavalheiros” onde marmanjos parrudos disputam uma bola oval no tapa, sem os capacetes e outras frescuras do futebol americano. Um senhor calvo com uma farta barba branca, de sorriso quase infantil, que contrasta com seu tamanho descomunal. Poderia ser o modelo no qual a Coca-Cola se inspirou para o Papai Noel ou a figura ao lado da expressão “lobo do mar” em uma enciclopédia náutica.

Sou recebido no Mago del Sur com mate, panetone e uma hipnotizante conversa sobre tudo ao mesmo tempo. “Deixei o mundo das regatas porque me cansei dos patrones, os donos dos veleiros, que apareciam momentos antes da largada dando ordens, mesmo sem saber o que estavam fazendo”. Estou diante de um misantropo, “depois de muito tempo navegando sozinho, a gente se torna um pouco intolerante às boludezes das pessoas...”

Mate e panetone. “O problema dos castores na Terra do Fogo é que são uma espécie exótica, introduzida pelo homem, sem predadores na região. Suas represas destroem os bosques, uma praga”. Brinco que talvez fosse o caso de introduzir ursos, os predadores dos castores, para controle da população de roedores. Mono sorri e diz “é, boa idéia, controlaria a população de homens também.”

Suzana, imediata do Mago (além de cozinheira, contadora, relações públicas e mãezona), está no notebook tentando baixar a previsão meteorológica. Mono torce o nariz, e olha para o céu buscando a forma e a direção das nuvens. Justamente quando Mono dissertava sobre a invasão da vida privada proporcionada pelas formas modernas de comunicação, meu celular toca. Quase jogo o aparelho ao mar, para não contrariar esse urso misantropo.

Ainda no porto me dou conta que a atitute "o Horn é logo ali" não é a mais adequada para estas latitudes, mas talvez um pouco do conhecimento náutico do Mono me seja transmitido pela bombilla, quem sabe? Mais mate e panetone.

***

Comparado à leveza e elegância dos veleiros franceses de alumínio que dividem o cais, o Mago é um trator. “Não gosto desses barcos de plástico de hoje, cheios de frescuras, barcos para exibir nas marinas, não para navegar. Cresci com barcos de madeira e aço”, alerta o Mono. Quase 17 metros de aço, armação em cutter, mastro fracionado, quilha retrátil – desenhado à medida a partir das exigências do comandante. Nesta viagem somos cinco no total, os outros dois passageiros são velejadores valencianos, o que garante um grande conforto a bordo, já que as instalações alcançam para 10 pessoas. Os cabos e as ferragens são robustos, organizados de maneira simples. A eletrônica reduzida ao mínimo necessário para essas latitudes – exceto pelo radar para navegação sem visibilidade, é um barco menos provisto de gadgets do que a maioria dos veleiros que navegam no Lago Paranoá. Talvez um barco seja mesmo reflexo do dono.

Primeira parada: Puerto Williams, Ilha Navarino, Chile, do outro lado do Canal de Beagle. Um barco que transportava munições na Primeira Guerra Mundial antes de ser adquirido pela marinha chilena, o Micalvi, encalhado em uma caleta protegida, faz as vezes de Club Nautico. Williams é a principal base naval chilena da região, que foi objeto de disputa entre Argentina e Chile até os anos 80. Poderia ser o equivalente chileno de alguns rincões da Amazônia brasileira, onde a única presença do Estado são as Forças Armadas. Para defender é necessário ocupar e povoar, hacer pátria. Não é uma cidade, mas há um razoável número de casas de civis. As casas nas ruas mais acima da colina são todas iguaizinhas, branquinhas, obviamente destinadas aos oficiais, com gás engarrafado para aquecimento. Há avisos que é proibido fotografar nas imediações das instalações militares. Quanto mais próximas ao mar, as casas diminuem de tamanho e compartem o terreno com absurdas quantidades de lenha.

Na praça central há um albergue, alguns restaurantes e duas ou três empresas de ecoturismo – “além do fim do mundo” é o slogan local. Não há adultos nas ruas, apenas cachorros vadios e crianças brincando, imunes ao frio e ao vento constante. Cruzo com um casal adolescente de mãos dadas – devem ser os adolescentes mais felizes da ilha.

Os únicos adultos parecem ser as três autoridades que vão até o Micalvi para a necessária papelada de entrada do Mago e dos passageiros. Educados e cordiais, carimbam uma dúzia de papéis, checam os passaportes e exigem nossa assinatura em um termo de isenção de responsabilidade, onde atestamos estar cientes de que estamos em uma embarcação que não é destinada ao transporte de passageiros e que as autoridades locais não se responsabilizam por nosso bem estar. Em outras palavras, como a atividade de charter na região não é regulamentada, a lógica burocrática impõe a assinatura de um documento dizendo que um veleiro não é um barco. O ritual é um mal necessário para navegar na zona, para desgosto do Mono, que vê nisso apenas uma maneira de garantir emprego a inúteis burocratas e militares. “Esse termo de isenção é uma estupidez, quem navega por aqui sabe onde está se metendo. Nós, os latinos, temos um problema com a liberdade, com assumir responsabilidade por nossas escolhas”, filosofa o Mono. No fundo, ele é um romântico liberal-anarquista.

Tantos carimbos nos passaportes chocam um pouco nossos colegas europeus. Acostumados às facilidades da União Européia, não entendem como a simples travessia de um canal natural pode gerar tanta papelada. Mas aqui não rege a lógica da integração, parece ainda estar vigente a hipótese de conflito. Em 1978, a Argentina chegou a enviar sua esquadra para batalha pela posse de três ilhas na boca do Canal de Beagle – Picton, Lennox e Nueva. Uma tempestade (que muitos consideram intervenção divina) atrasou o conflito tempo suficiente para que fosse aceita a mediação do Papa, que posteriormente decidiu a disputa em favor do Chile, confirmando um laudo arbitral anterior; um plebiscito na Argentina finalmente acatou a decisão e fechou a questão em 1984.

Mas a quase guerra deixou suas marcas. Até hoje a navegação é restrita em diversos pontos da região – não é permitido, por exemplo, circunavegar a Ilha Navarino, rota que seria mais rápida e segura para qualquer barco partindo de Ushuaia para o Horn. Os veleiros sofrem marcação cerrada pelo VHF, são constantemente interpelados por estações de rádio, de ambos os lados do Canal, perguntando por ecos tangos e alfas, para angústia do Mono: “Acho que essas ilhas já estão povoadas demais...”.

A Ilha Navarino poderia estar totalmente integrada a Ushuaia e beneficiar-se de seu intenso fluxo de visitantes, mas a atitude de desconfiança que persiste em algumas autoridades de ambos os lados do canal impede qualquer iniciativa de integração. Não, Puerto Williams deve permanecer isolada, salvo pelo contato com a distante Punta Arenas. O meio ambiente das ilhas ao sul do Canal de Beagle está, assim, em estado prístino, completamente protegido dos efeitos da urbanização e do turismo de massas – ainda que pelos motivos errados.

***

Quando a burocracia e o tempo permitem, partimos de Williams, saímos do canal rumo ao sul finalmente. Pasamos por Puerto Toro, o povoado mais austral do planeta, na costa leste de Navarino; um posto avançado da Marinha chilena que dá apoio a pescadores na época da centolla, a mãe de todos os caranguejos. Fora da época de pesca é uma cidade fantasma, onde ainda existem trincheiras de 1978. Refundada durante a disputa pelo Beagle, a marinha chilena fez um levantamento dos mortos em naufrágios na região e plantou uma cruz para cada um deles no cemitério de Puerto Toro. Uma cidade de fantasmas, para ocupar e povoar.

“Minha mulher não gosta de velejar, navegar para ela é uma vida sórdida”, se queixa um tripulante. “Troque de mulher”, ordena taxativamente o capitão.

Saímos do Paso Picton e entramos na Baía Nassau, deixando as ilhas da discórdia para trás, a nordeste. Golfinhos, lobos marinhos e albatrozes se revezam escoltando o Mago. É, navegar é uma vida sórdida...


Mono sai do conforto de sua cama vestindo apenas uma cueca furada para comandar uma manobra, enquanto todos os tripulantes estão com suas roupas impermeáveis. Todos a seus postos. Fico responsável pelas burdas. A burda é um estai volante, um cabo que reforça a sustentação do mastro no lado onde ele é mais exigido, a barlovento, o lado de onde sopra o vento. É necessário soltar uma burda e caçar, puxar, a outra durante a mudança de um bordo para outro. Sem a burda, um vento mais forte pode partir o mastro. Resumindo, a burda é importante. Mas tem a maldita tendência a ficar enganchada em qualquer coisa durante a manobra, justamente quando você mais precisa dela.

À medida que a retranca permite, caço o cabo, meu esforço sendo multiplicado pela catraca, mas não com a velocidade exigida para um barco projetado para um jogador de rugby. Um rugido açoita meus ouvidos, não é o vento, é o Mono: “Caça essa buuurda!! Caça ou vai me arrebentar o mastro!!”. Recebo um chega para lá e vejo ser aplicada à catraca toda a força que um dia segurou um time de rugby no cangote. Mono me olha com um tanto de condescendência e diz “os barcos têm que ser tratados com raiva, muita gentileza causa avarias”.

***

Buscamos abrigo para a noite na Caleta Maxwell, já no arquipélago que abriga o Horn. Fundeamos em meio aos cachiyuyos, algas enormes, elásticas e resistentes. Baixamos à terra para esticar um pouco as pernas. A vegetação da Terra do Fogo acompanha a inospitalidade do lugar. Árvores, apenas em áreas mais protegidas do vento, a regra é a turba: uma vegetação rasteira que não se fixa ao solo diretamente, mas sobre metros de matéria orgânica em lenta decomposição; é como andar sobre uma enorme esponja, a pele de um único e enorme organismo vivo. A turba é a Amazônia em bonsai.

Maxwell hoje é um lugar desabitado, mas um dia abrigou yaganes, um dos povos originários da Terra do Fogo. Mono tem um respeito reverencial pelos yaganes – as águas que cruzávamos a vela e motor em um confortável barco de aço eram navegadas por esse povo nômade, no braço, em frágeis canoas feitas com cascas de árvores, em busca de aves, mexilhões e lobos marinhos. Mantinham-se aquecidos e secos cobrindo o corpo com gordura, uma ou outra pele animal, e mantendo fogueiras permanentemente acesas (segundo uma versão, a origem do nome Terra do Fogo estaria nesse hábito). Missionários protestantes e salesianos vieram até o fim do mundo para convertê-los. Os yaganes foram um dos únicos povos ditos primitivos que eram monoteístas - só não era o monoteísmo certo. Sua conversão foi, assim, mais dócil. A gordura e as peles foram logo substituídas por roupas ocidentais que, ao absorver umidade, expunham os yaganes ao frio e, assim, baixavam ainda mais sua resistência aos germes que acompanham a civilização ocidental. Foram docilmente dizimados em apenas duas gerações graças a epidemias de doenças banais como o sarampo.

Cabo Horn. Clique para visitar as fotos da viagem no Picasa, incluindo os Ventisqueros Chilenos, que ficaram de fora do artigo

De Maxwell finalmente partimos para a principal perna da viagem, rumo ao Horn. O tempo está ótimo. Ótimo, nessas águas desabrigadas e expostas, é: sem chuva, com ondas baixas e ventos de “apenas” 30 nós (ou 55km/h, velocidade que já cancela algumas regatas no Rio da Prata). Não é hora para improvisos, nem brincadeiras, o ambiente a bordo é sério, Mono ao leme, velas rizadas, todos com arneses de segurança. Os cabos que ligam os arneses aos mosquetões (que, por sua vez, nos prendem ao barco) foram costurados pacientemente pelo próprio Mono – estamos, em todos os aspectos, em suas mãos.

Seguimos o vento, de oeste para leste, e logo estamos a través do Horn, seu paredão de aproximadamente 100m de altura parcialmente coberto por nuvens. O Horn é cinza. Apenas os albatrozes, permanentemente planando, passando a centímetros das ondas, dão um pouco de vida ao lugar. Tudo à vista nas proximidades, rochedos e ilhas, inspira desolação, isolamento, assombro. Não é lugar para homens, apenas para albatrozes.

O vento nos leva rapidamente embora, mal sentimos o tempo passar, logo estamos fundeados na pequena baía onde está a escada que leva ao farol da ilha; é muito pouco abrigada, mas o clima permite. Além do farol, no Horn há uma impressionante estrutura de aço em forma de albatroz, uma pequena pedra gravada em homenagem aos que perderam a vida dobrando o cabo, uma antiga capela de madeira e uma enorme bandeira chilena que o vento rasgou pela metade, fibra por fibra, sem tomar conhecimento de soberanias humanas na região. É lugar para albatrozes.

Há um faroleiro com sua família – esposa, um bebê de colo e uma menina em idade pré-escolar. Praticamente todos os faróis do mundo, hoje, são automáticos, mas a marinha chilena mantém, em turnos de um ano, um faroleiro aqui com sua família, haciendo pátria. Ocupar e povoar.

A casa do faroleiro é contígua ao farol, completamente nova. A esposa do faroleiro carimba os passaportes dos visitantes em sua sala de estar, onde assinamos o livro de registro de nossa passagem. A esposa e a menina são alegres, falantes, não devem receber muitas visitas. Contam-me que perderam o pluviômetro na última tempestade, quando soprou 101 nós. Apesar de frio, preferem o inverno, não sopra tanto, é mais confortável – mas não têm tantas visitas.

Pergunto curioso o que eles criam no curral que vejo a uns 500m, sobre uma colina. O faroleiro ri, “Não, a gente não cria nada aqui não. Aquilo são minas antipessoais, por causa dos problemas que tivemos com a Argentina em 1978. Tem outros campos em Lennox, Picton e Nueva. É mais fácil cercar do que remover porque são de plástico”. Diz isso impassível, com um sorriso enorme, enquanto sua filha puxa meu casaco, tentando me convencer a brincar com sua boneca de pano.

***

De volta ao Mago, onde o Mono aguarda pacientemente seus eufóricos tripulantes. Somos cap-horniers agora, de acordo com a tradição náutica, podemos usar um brinco de ouro e apoiar o pé na mesa dos oficiais, temos direito a não tirar o chapéu diante do rei da Espanha e contamos com a sobrenatural capacidade de cuspir contra o vento. Só não podemos nos confundir e cuspir no rei. Somos cap-horniers. Rimos, comemos torrones valencianos com sabor de realização, brindamos a uma bem sucedida e segura travessia.

Mono pergunta, com seu sorriso de criança, ainda com o copo levantado,“então, como se sentem agora que são cap-horniers? Diferentes?”.

Somente aí caiu a ficha para valer. Qual o significado de dobrar o Horn? Não foi uma aventura, não dobramos nada, não cruzamos de um oceano a outro – fomos trazidos aqui a passeio, não há mérito nenhum em ser passageiro. Minha viagem não é muito mais do que a realização de uma fantasia infanto-juvenil, visitar um lugar mitológico, quase imaginário - horrorizado, lembrei-me dos aposentados em Ushuaia. Dobrar o Horn não deveria ser um cruzeiro de verão, não foram turistas que transformaram este lugar em lenda. Deve ser triste para um navegador do cacife do Mono ver o Horn ser transformado em destino turístico, da mesma forma que alpinistas sérios lamentam a banalização do Everest. Há uma enorme distância entre ler sobre um lugar e ver por si mesmo, mas desde aí há um abismo que separa o que é realmente viver esse lugar. O brinde teve gosto de profanação.

01 agosto 2008

De Buenos Aires a Rio Grande

A foto do post anterior foi tirada com meu celular pouco antes de partir de Buenos Aires em uma das "clínicas oceánicas" de Ernesto Saikin, uma espécie de versão individual argentina da Família Schürmann - após diagnosticado com duas úlceras por stress, largou seus três empregos e passou a viver em um veleiro, o New Life, e saiu viajando por 7 anos. De volta, vive hoje no "New Life continúa", um Pandora 36 reforçado, escrevendo, organizando travessias e viagens charter em Angra. Mais ou menos o que quero ser quando crescer.

Sete pessoas, eu inclusive, acharam que não tinham nada melhor para fazer neste inverno do que compor a tripulação de uma dessas travessias, uma oportunidade para aprender mais sobre vela, navegação noturna, manejar o GPS (aparelhinho maravilhoso que "te deixa burro, muito burro demais") e adquirir experiência. Foram excelentes companheiros de viagem e fico feliz de poder dizer que, depois de passar uma semana com eles trancado em um espaço pequeno, confinado, sem banhos regulares (só em porto), por incrível que pareça, nos fizemos amigos.

A travessia foi intensa, mas não foi particularmente divertida, foi MUITO incômoda. O que complicou nossa vida foi que todo o caminho foi feito com vento contrário - o que contradisse a meteorologia, à qual o capitão se aferrou com fé para não mudar o curso programado. Isso nos obrigou a seguir com motor quase todo o tempo, mesmo quando podíamos abrir as velas, quando o indicado seria fazer um bordo bem largo, afastando-se da costa, o que teria atrasado nossa chegada, mas teria feito a viagem mais cômoda. Com velas, o barco balança, mas é mais estável, com motor ele avança, mas joga mais: nunca achei que podia vomitar tanto.

Só de pensar em sair do cockpit e entrar na cabine já me embrulhava o estômago, chega um ponto em que é um alívio a chegada do Raul. Você acaba desenvolvendo métodos para ficar em bons termos com ele, como um tripulante a mais, a minha revelou ser assobiar, uma espécia de técnica de respiração não yogue.

No total foram 5 dias de travessia, com uma escala em Punta del Este de dia e meio. Ao longo do caminho, nos fizeram companhia albatrozes (los cejas negras), petréis, gaivotas, pen duicks, toninhas, um ou outro pingüim perdido e lobos marinhos, inclusive os preguiçosos e mendicantes lobos de Punta, que aguardam pacientemente os restos dos peixes que são limpos no cais.

E estrelas. Nunca pensei que existissem tantas estrelas. Navegar de noite é maravilhoso, usar as estrelas não exige nenhum conhecimento astronômico: apega-se a uma ou umas poucas como ponto de referência e de quando em vez se corrige o rumo pela bússola ou o GPS. Quando foi a última vez que você ficou horas olhando para as estrelas?

Depois da escala em Punta, pegamos mal tempo justo nos bancos da costa do Rio Grande do Sul - um trecho bem perigoso, a baixa profundidade aumenta as ondas. Chegamos a ficar sem o piloto automático (que nos ajudava a manter o curso) devido a um pico na rede elétrica causado por uma ida inoportuna ao banheiro. Abusaram dele e o motor falhou por preocupantes minutos - confesso que, de meu molhado beliche, cheguei a sentir alívio por deixar de ouvir o motor, mas aquele não era o momento, não tão perto dos bancos da costa.

Chovia MUITO, o mal tempo começou justo na minha guarda noturna e reduzir velas foi difícil - desenvolvi a capacidade de girar a catraca enquanto vomitava. Quem disse que conseguia dormir depois de terminada a guarda? Preferi ficar no cockpit, procurando luzes que indicassem a proximidade de outras embarcações. Quando pude dormir, completamente encharcado, após ter limpado o estômago por uma última vez, me sentia dentro de uma coqueteleira: o barco jogava muito, fiquei praticamente 2 dias inteiros sem conseguir manter nada dentro do estômago.

Não exageremos, não foi uma situação onde se podia temer por nossa vida, o barco e a tripulação se portaram muito bem. Mas foi o momento em que eu pensei que carajo estoy haciendo acá!?. Tecnicamente, não chegou a ser uma tempestade, foi mais a rebarba de uma frente fria - na Escala Beaufort, que chega até 12, foi um vento de força 4-5, ventos de 30 nós, ondas de até 2 metros. Suficiente para atestar a frase de minha bisavó "com o mar não se brinca".

Foi duro. Ao mesmo tempo, foi de uma beleza espetacular. Com os olhos acostumados à escuridão, os raios nos cegavam completamente por longos segundos. A fosforecência varria o convés, a espuma das ondas era de um branco que chegava a brilhar, tinha um aspecto fantasmagórico que era bonito, apesar de aterrador.

Há experiências que são melhores lembradas do que vividas, esta foi certamente uma delas, o engraçado de atividades como a vela é que, por pior que sejam, você está pronto para repetir, tão logo o corpo descansou. Mais uma dose, é claro que estou afim...por que a gente é assim?
***

Chegamos no dia seguinte pela tarde, com bastante alívio, ao porto de Rio Grande (onde eu vi a P53, um monstro impressionante que quase me faz acreditar que o "a gente" na propaganda da Petrobrás me inclui), amarramos ao cais do Museu Oceanográfico da FURG, um agradável ancoradouro, na Lagoa dos Patos.

E agora estou em Porto Alegre, assobiando...

No sé si la luna está sobre Porto Alegre
O si Porto Alegre está sobre la luna
Nunca estuve tan perdido en mi vida
Y así me gusta, me gusta así.

No sé si habrá un amor en cada puerto
O un puerto en cada uno de mis amores
Donde anclar un pobre barco, casi hundido
Y así nos gusta, nos gusta así.

No sé si la luna esta sobre Porto Alegre
O si están al lado, una de la otra
Hoy un sentimiento extraño me provoca
Tenerte cerca, lejos de mí.

03 julho 2007

Cataratas do Iguaçu

Em junho, aproveitando um feriado prolongado, as temperaturas mais amenas e o fato de não terem iniciado ainda as férias escolares, peguei a velha Sony e tomei um dos extorsivos vôos da Aerolíneas para fazer um bate volta naquela que é talvez a grande meca do turismo de massas na América do Sul: Cataratas do Iguaçu. Visite o álbum de fotos no Flickr
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Foi também a primeira vez em muito tempo que viajei sozinho. Não que seja melhor do que uma viagem acompanhado, mas eu sentia falta dessa coisa mochileira, buscando "single-serving friendships" no albergue para tomar uma cerveja ou rachar transporte (single-serving também pode ser traduzido por "descartável", mas aí não seriam friendships).

Nômades e desterrados são particularemente receptivos a seus pares, ainda que desconhecidos: se em sua terra natal você puxa conversa com alguém que nunca viu antes, as chances disso terminar em uma cervejinha são menores do que entre nômades e desterrados. Não que viajantes independentes sejam mais abertos, eles estão mais abertos a estranhos. Independência pode ser sinônimo de solidão e há pessoas que fogem disso sem se dar conta de que fogem de si mesmas. O que cansa é o papinho padrão "de onde você é-para onde você vai" que se repete sempre...

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Meu objetivo era só conhecer os parques mesmo, sem pressa. Calculo que mais cedo ou mais tarde terei que ir a Foz a trabalho, então resolvi ficar só por Puerto Iguazú, por pior que seja este cu de pueblo, onde a Argentina já terminou, mas o Brasil ainda não começou (e tampouco está no Paraguai). Fronteiras com acessos terrestres são muito estranhas, você está em uma estrada, passa por um enorme guichê de concreto e de repente, arbitrariamente, você está de volta a seu país, os outdoors e a rádio falam sua língua, mas você, não entende bem porque, se sente duplamente estrangeiro.

Triplamente estrangeiro, se considerar que ali é território guarani, onde se fala guarani. O ônibus mais multicultural do mundo é o que vai da rodoviária até o parque nacional, onde na mesma viagem é possível ouvir inglês, alemão, norueguês, finlandês, chinês, italiano, português, espanhol, árabe e guarani.

Pan 20070616_Cataratas_076-77-78-79

Atribui-se aos guaranis uma lenda breguinha sobre um amor proibido que ofendeu um deus sedento por sacrifício que criou as cataratas para separar e punir o casal, mas o arco-íris os une e o amor vence (céus...que horror...). Com poucas variações, já vi essa mesma lenda atribuída a pelo menos dois povos para explicar outros acidentes naturais. Com um pouco de pesquisa, você encontrará outras lendas supostamente autênticas como mito de origem do lugar. Nada tira da minha cabeça que essas lendas foram inventadas por algum agente de turismo contemporâneo...

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Nos fóruns e sites de turismo que consultei era inevitável a questão "qual lado é melhor?".

A pergunta só se aplica se for uma referência a "qual parque nacional é melhor?". Aí, lamento Embratur, mas tenho que ficar com os argentinos, que colocam à disposição muito mais informação e mais atividades ao visitante, sem cobrar os preços escandinavos que cobram os concessionários turísticos brasileiros. Mas eu não entendo como falam de "lado brasileiro" e "lado argentino" das Cataratas, como se fosse possível cortar a água.

O fato incontestável é que há mais variedade de passeios e vistas no parque argentino, da mesma forma que as passarelas do parque brasileiro permitem uma visão de todo o conjunto que não é possível do outro lado do rio. Se é do Brasil que se vêem as melhores paisagens, não pode ser o lado brasileiro o mais bonito, já que o que se vê é o parque argentino. Por outro lado, o visitante na Argentina não tem o mesmo grau de assombro que se tem do lado brasileiro, porque sempre só se vê apenas o parcial. A questão é tautológica e, como toda tautologia, absolutamente inútil. As Cataratas são uma coisa só, Y-Guazú, indivisíveis, nem sei porque se dão ao trabalho de dar nomes individuais para cada salto.

Já fui (fomos todos) tão bombardeados com imagens das Cataratas que sinceramente achei que não iria me impressionar. Tolo engano. É fantástico. Y-Guazú, Iguaçu, Iguazú, Iguassu...em guarani quer dizer "água pra caralho". Mais água do que você pode imaginar, gotas em suspensão por todo o lado, subindo como fumarola e te envolvendo com um véu branco que altera as cores do ambiente, levando umidade a teus olhos, teu nariz e tua pele, ocupando tudo com um ruído absoluto, tão onipresente que se torna silêncio.

Vá. Em três dias é possível visitar os dois parques com folga (dois dias para o parque argentino). Se você não tiver problemas em acordar cedo, com um pouco de boa vontade dá até para fazer em dois dias. Minha sugestão de programa é a que segue (não é exatamente o que eu fiz). No parque brasileiro, percorra as passarelas sem pressa e deixe para os gringos os passeios pagos. Tome mais tempo no lado argentino, percorra absolutamente tudo, Circuito Inferior, Circuito Superior, Trilha do Macuco, Ilha San Martín (talvez a melhor vista do parque argentino), o passeio de inflável (é muito mais barato aqui). Ignore o "trem ecológico" e caminhe alguns Km até a Garganta do Diabo - você nunca verá tantas borboletas juntas como nessas poças de lama. Cheque o calendário lunar, há passeios noturnos ao parque em noites de lua cheia. Pule o almoço e coma um surubim grelhado com mandioca frita na janta. Se viaja sozinho, busque um albergue para encontrar outros viajantes dispostos a rachar um remis até o parque do outro lado da fronteira. Tome o ônibus do seu lado da fronteira. Se viaja com alguém especial, cometa a extravagância de ficar em um dos hotéis cinco estrelas dentro dos parques. Vá.

***

Em um trecho megalomaníaco do ótimo El Interior, Martín Caparrós diz que teve estúpidas ganas de escupir hacia el salto, de agregar algo: de participar. No meu caso, feri os olhos ao fazer o passeio de inflável até os saltos e confiar demais em meus óculos - as Cataratas escupiran no meu olho. Acabei com uma conjuntivite que nem o Photoshop salvou.

***

Puerto Iguazú é incompreensivelmente feia. Foz pelo menos tem a desculpa de que é uma cidade grande, com todos os problemas de uma cidade grande. Puerto Iguazú não, ela existe em função das Cataratas, é totalmente dependente do turismo, mas não tem nada de pitoresco, suas ruas, casas e prédios não tem a menor preocupação estética. Na noite do centro predominam cachorros vadios e adolescentes de interior bêbados com sua mobiletes, em lugar de turistas com seus cartões de crédito.

A resposta talvez esteja no turismo de massas. Muitíssimos visitantes passam por lá, mas a maioria permanece pouco tempo e está sempre envolvida em cápsulas motorizadas hermeticamente fechadas pelo agente de viagens, mantidos isolados do meio-ambiente que tanto os fascina. Os hotéis, até mesmo alguns albergues, se esforçam em ter toda uma estrutura para manter o visitante confinado, restrito ao trecho hotel-ônibus-parque-ônibus-hotel. Quem fica na cidade são geralmente turistas jovens, que gastam menos.

Não me leve a mal, acho extremamente pedante a distinção que alguns fazem entre "turistas" e "viajantes". Poderia bater mais neste ponto, mas não vou agora. O máximo que eu admito é alguma distinção entre "turismo de massas" e "turista/viajante independente", i.e. aquele que viaja sozinho ou em pequenos grupos e faz sua própria pesquisa, foi atrás de roteiros, transporte, hospedagem e alimentação por sua conta, sem precisar de ajuda de um profissional ou agente. O ponto aqui é simplesmente que a quantidade de turistas não está necessariamente associada com a grana que fica no local, tampouco com a qualidade da atração.

Verdade seja dita, os parques conseguem manejar o volume de turistas muito bem. É inevitável a comparação entre as passarelas para manter os turistas nas trilhas e currais estreitos para conduzir gado, todos em fila indiana. Aquilo realmente deve ser um inferno em alta temporada, uma longa e contínua fila, ainda bem que escapei disso. Mas, por outro lado, se não fosse essa abordagem "turista = gado", os parques provavelmente já estariam destruídos ou fechados, ou seriam inacessíveis para muita gente.

O que me ofende no turismo de massas não é o volume de visitantes, é a pasteurização da visita. Cria-se uma imagem estereotipada que é vendida em embalagens assépticas, um produto descartável que homogeneiza a experiência do visitante. No caso das Cataratas, geralmente associados às palavras "adventure" e "jungle". Depois tem gente que reclama que gringos acham que tomamos cipós para ir ao trabalho. Céus, o que é aquele ônibus no parque brasileiro com "ruídos da selva" nos alto falantes?!?! "Adventure" pacas meu passeio pela trilha sendo rebocado por um carrinho de golf, sentado ao lado de uma sexagenária alemã. Olha que selvaaaaaagem aquele quati buscando um resto de batata frita no lixo!!

***

Quem lê o trecho acima pode até achar que eu não gostei da viagem, mas se enganaria. É realmente um desses lugares que você precisa ver antes de morrer. É hipnotizante contemplar aquele tanto de água caindo, envolvido pela névoa como se você fosse parte delas, por horas ver a mesma coisa sem cansar e notar algo diferente a cada variação da luz ou mudança do vento. "Y-Guazú" é superlativo.

29 março 2007

Malvinas

A questão das Malvinas é talvez a maior ferida aberta dos argentinos, por mais que seja quase um consenso que foi uma loucura a ocupação das ilhas pelo regime militar, cujos 25 anos serão recordados por todo país nesta segunda-feira, poucas coisas englobam mais a mentalidade argentina quanto a idéia de que "las Malvinas son argentinas".

De fato, a questão das Malvinas está tão ligada ao ethos argentino que é quase uma unanimidade, é uma das coisas que define o que é ser argentino. É provavelmente mais fácil encontrar um (iluminado) argentino que ache que Pelé é melhor do que Maradona do que localizar um argentino que se refira àquelas pedras no Atlântico Sul como Falklands.

Quanto a isso, recomendo o ótimo Las Guerras por Malvinas, de Federico Lorenz. O ponto deste post é outro, talvez eu volte ao tema Malvinas um dia.

O ponto é que dia 2 de abril é feriado aqui, inamovible (os feriados mais importantes aqui são inamovibles, os demais são puxados para a segunda-feira mais próxima - ótima prática). Este 2 de abril cai em uma segunda. Como bons católicos que são, quinta e sexta da semana que vem também são feriados devido à Páscoa. Somados a apenas dois míseros dias de férias dos 80 aos quais atualmente tenho direito (acreditem), terei uma folga de 8 dias que aproveitarei enchendo a cara de vinho em Mendoza.

Valeu, Galtieri.

E boa sorte aos brasileiros que pretendem viajar na Páscoa...

22 março 2007

Questão de prioridades

Uma dúvida existencial para a qual peço ajuda dos dois ou três leitores deste blog.

Terei férias, se nada impedir, de 18 de agosto a 7 de setembro deste ano, para as quais pretendo usar minhas 40 mil milhas garimpadas por muitos anos no cartão de crédito. Tenho a opção de usar metade delas para viajar na Argentina ou 25 mil em algum dos "países limítrofes", inclusive Brasil, ou torrar todas as 40 mil de uma vez indo para qualquer ponto operado pela American Airlines, inclusive Alasca e Havaí.

Tinha pensado em fazer uma "diving trip" este ano....México?

Veleiro charter no Caribe? Hotel-putaria na Jamaica?

Road-trip pela Califórnia?

Dizem que NYC é legal em agosto (já é baixa temporada quando vou)....

Ou seria o caso de fazer algo mais "étnico" pela América do Sul....?

Ajudem, por favor. Desta vez não faço a menor idéia para onde ir.

PS: Lúcia, você deve ter dicas interessantes....

PS2: Manhê, não adianta sugerir que eu visite a família durante meu aniversário...

20 dezembro 2006

Removido

Manhê, eu tô na página 31 da Seção 2 do D.O.U. !!

04 novembro 2006

Boas lembrancas

Estou exatamente no mesmo cybercafeh no fim do mundo onde oito meses atrás recebi a confirmacao definitiva de que nao voltaria a BSB, ficaria pelo caminho em BsAs...me deu uma sensacao boa: duas vezes em Ushuaia no mesmo ano, algo correto devo estar estou fazendo...

Tirei o dia para ficar à toa enquanto nao chega a hora de embarcar de novo para o Prata. Depois de uma semana de viagem, estou bem cansado, nao serah agora que vcs lerao sobre esta viagem, tenho muitas notas para fazer antes de publicar algo aqui. Por enquanto fica soh o registro de que o lejano sur é um lugar fantástico, me dá ganas de voltar, e o conselho: brasileiros, esquecam Brasiloche, o melhor da Argentina está ao sul do Rio Negro.

26 outubro 2006

Due South

Faz tempo que não faço nenhum post, pura preguiça, porque tenho anotações para vários. De qualquer forma, vai ficar para depois, parto amanhã outra vez para o lejano sur, acompanhando meus colegas argentinos em sua viagem de fim de curso - Patagônia na conta da viuda.

Durante os próximos oito dias passarei pelo Glaciar Perito Moreno, pelo Monte Fitz Roy, ou El Chalten no dialeto dos locais e, depois de uma breve escala em Río Gallegos, de volta aonde o vento faz a volta, o fim do mundo, Ushuaia. Quem ficou curioso pode ter um gostinho consultando www.parquesnacionales.gov.ar, visitando as páginas do Parque Nacional Glaciares e o Parque Nacional da Terra do Fogo. Não sei se terei muita chance de postar no caminho, mas prometo que tento. De qualquer forma, fico devendo um relato completo da Patagônia, com fotos, ainda em novembro - me cobrem.

10 setembro 2006

Post Scriptum

O post "post scriptum" vai com considerável atraso porque somente agora tive acesso ao vídeo. No dia do meu aniversário meus colegas argentinos me deram este presentinho maneiro. As coisas que eu faço pela integração regional...


22 agosto 2006

27

Tempo, tempo mano velho, falta um tanto ainda eu sei
Pra você correr macio
Como zune um novo sedã

Tempo, tempo, tempo mano velho
Tempo, tempo, tempo mano velho
Vai, vai, vai, vai, vai, vai

Tempo amigo seja legal
Conto contigo pela madrugada
Só me derrube no final


Pato Fu no ohrwurm.

De hoje a um ano.

13 agosto 2006

Virgen de Lujan


Originally uploaded by Explorador deitado na rede.

Praça do Congresso. Marco zero das rodovias federais argentinas (rutas nacionales), alterado por um vândalo de bom humor.

Tem novas fotos no meu Flickr.

08 agosto 2006

Cacerolazo

Na segunda de noite, por volta das 21h00, houve um panelaço de 15 minutos aqui na minha rua.

No dia seguinte saí por aí perguntando o que houve até que o jornaleiro da esquina me informou que uma madame distribuiu folhetos pela vizinhança clamando a um cacerolazo para protestar por mais segurança. Era a única pessoa batendo panela na rua, todos os outros estavam em suas sacadas. Falta de segurança é o tema do momento por aqui - lembro do PCC e de São Paulo e tenho vontade de rir. Meus colegas argentinos também caíram na risada, o análogo brasileiro de um cacerolazo na esquina de Arroyo e Alvear seria usar a Oscar Freire em São Paulo ou o Pier 21 em Brasília como passarela de protesto. A madame deve ter sido assaltada recentemente.

Cheguei a ligar a TV na hora atrás de alguma notícia que explicasse o fenômeno, mas foi algo isolado, o governo não caiu, não houve saques, nada. Era só meia dúzia de gatos pingados, mas o barulho era infernal, vocês não fazem idéia. O suficiente para dar calafrios em alguns argentinos e me deixar com uma curiosidade mórbida pelo ocorrido em 2001 - quase fiquei decepcionado, esperava ligar a TV e ver gente mascarada na rua queimando carros, sei lá...

24 junho 2006

Bipolaridade e Mandinga

Em discurso recente, o Presidente Kirchner mencionou o caráter bipolar da personalidade dos argentinos, cuja auto-estima alterna entre períodos de depressão profunda e nostalgia do passado distante e entre uma arrogância que os coloca no topo do mundo.

A Copa do Mundo deixa isso muito evidente. Antes do mundial, a falta de fé era geral e irrestrita, a memória de 2002 ainda a assombrar e, pasmem, todo argentino considerava o Brasil favorito. Desde o 6x0 na extinta Sérvia e Montenegro, no entanto, a moral vem subindo.

Muito rapidamente, essa moral chegou aos estratosféricos limites da bipolaridade mencionada acima. No jogo do Brasil contra o Japão, houve comentarista de TV falando de um tal buraco na lateral direita brasileira, que poderia ser explorado pela seleção argentina na final. Mais modesto o narrador de Alemanha x Suécia que identificava as falhas alemãs que beneficiariam a Argentina nas quartas, muitas horas antes do gol milagroso na prorrogação que classificou a Argentina. Hoje as imagens do Obelisco depois do jogo eram freqüentemente acompanhadas de gritos histéricos de "Já somos campeões!! Que venha o Brasil!!"

É, definitivamente, o estereótipo não o é à toa, a humildade não é um traço característico dos argentinos. Da onde eu venho, no entanto, dizer "Já ganhou!" ou "Estamos tranqüilos" dá um azar dos diabos. É auto-mandinga...

É, argentinos, eu me rendo...não tem mais como vocês perderem...

22 junho 2006

Haja Corazón!!!



***


O jogo de ontem foi a coisa mais sonolenta da Copa...meus amigos argentinos pediram perdão por terem me obrigado a assistir aquela desgraça...não sei da onde esse corintiano tirou que foi um jogo bom, deve ser porque o Tevez começou jogando, vai entender...


***


Hoje de tarde há um confronto cósmico, desses de criar um racha no espaço tempo, como quando as Facas Ginzu tentam cortar as Meias Vivarina: Zagallo, o maior sortudo da história em Copas do Mundo, enfrenta Zico, o maior pé-frio que já esteve em um mundial.

Zico é o Zagallo-bizarro. Zagallo é tão sortudo que Pepe, o dono absoluto da ponta-esquerda em 58 e 62, se contundia só de ouvir falar em Copa. Zico foi a desgraça que foi, nunca perdeu penalti, só quando importava de verdade. Quem vencerá a rinha? Será que o poder azarento do pé do Zico se diluirá entre as duas seleções ou se concentrará no Japão?

Tchan-tchan-tchan-tchan...


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"Ronaldo é gordo" e "Ronaldo é banco" têm 13 letras...e se Robinho não passar a ser titular, "Parreira burro" também...

PS-pós-15-gols-do-Ronaldo: "Eu não sei nada de futebol" também tem 13 letras

19 junho 2006

Da universalidade do futebol

Muitas linhas já foram escritas explicando o porquê do futebol ter se tornado o esporte mais popular do mundo, a maioria dissertando sobre as qualidades democráticas e acessíveis do esporte bretão ou sobre o fato da criatividade poder se impor sobre o rigor físico, etc.

Mas é talvez mais impressionante como o comportamento dos espectadores é universal, como 22 marmanjos correndo atrás de uma bola causam reações semelhantes em pessoas de culturas diferentes.

Aqui, como no Brasil, mulheres têm uma dificuldade inata de entender o que é um impedimento. Feministas, podem xingar, mas entre vocês mulheres só minha mãe (que é a maior Maria-chuteira) sabe o que é um impedimento. Outro traço comum: tanto argentinas como brasileiras têm a mania de confundir habilidade futebolística com atributos de beleza. Kaká é o melhor porque é lindo. Mas por alguma razão bizarra, até o Tevez fica bonito em campo.

Aqui, como no Brasil, não há vida inteligente na televisão futebolística. Levanto as mãos aos céus por assistir uma Copa do Mundo sem Galvão Bueno e Cléber Machado, mas os locutores e comentaristas daqui não ficam muito atrás. É verdade que são locutores que torcem escancaradamente contra o Brasil, mas ainda são preferíveis ao Galvão Bueno. Pelo menos, não há os redudantes e uber-estúpidos comentaristas de arbitragem.

Aqui, como no Brasil, nesta época também os maiores pernas-de-pau se tornam sumidades em conhecimento futebolístico. Todo taxista é um técnico de seleção em potencial. O humor de todos os indivíduos de uma nação está estreitamente vinculado ao desempenho dos 11 que provaram não ser perna-de-pau. Projetamos neles todas nossas aspirações. Por pelo menos um mês a cada quatro anos há 11 escolhidos que encarnam aquilo que todo garoto quer ser quando crescer. Esta propaganda aqui reflete bem esse espírito. "Façam por aqueles que não chegaram lá".

Comprovando essa última tese: Argentina 6 x 0 Sérvia e Montenegro (que massacre...preocupante, o Brasil que jogou contra a Croácia não encara esse time, mas felizmente o time que derrotou a Austrália me dá mais confiança). Desde a goleada argentina, a cidade está mais feliz, os porteiros mais falantes, as pessoas se cumprimentam na rua, falam do futuro com sorrisos, há poucos sinais do pessimismo característico dos porteños pelo ar. Este mês, tudo depende dos 11 que chegaram lá. Tanto aqui como no Brasil.

PS: Provocação: a alegria dos argentinos é mais do que justificada...afinal, independente dos resultados da próxima rodada, a campanha deles neste mundial já é melhor do que em 2002...já podem se dar por satisfeitos...

14 junho 2006

Momento quase-Thoreauniano

Finalmente, depois de acampado por três meses no hotel e no apartamento, chega minha mudança (na verdade, até que foi rápido, considerando que tudo foi empacotado há quase dois meses em Brasília e partiu em um container saindo de Fortaleza).

...E fiquei feliz ao constatar que todas minhas posses materiais mal conseguem encher uma van...

...um dia eu chego lá, Henry.

10 junho 2006

Abrem-se as cortinas do espetáculo!

Começou o maior espetáculo da Terra!! Provavelmente nunca estive tão ansioso por uma Copa, mas nem é pelo favoritismo do Brasil, é o contexto. A rivalidade futebolística entre Brasil e Argentina dá chance para um clima de sacaneação mútua irresistível.

Já sei que lo voy a pasar re mal se continuar a provocar meus colegas argentinos, mas é mais forte que eu...Já me ameaçaram de ser amarrado ao obelisco com a amarelinha para servir de alvo aos locais. De qualquer forma, pelas minhas contas estou perdido aconteça o que acontecer. Se o Brasil ganha, me batem. Se o Brasil perde, me sacaneam. Se a Argentina ganha, me sacaneam. Se a Argentina perde, me batem. Então, enquanto isso, vou me divertindo às custas da tal rivalidade, ouvindo inevitáveis referências ao gol de Cannigia em 1990, cutucando eles a cada oportunidade com o Penta.

Hoje, por exemplo. Torci pela Argentina, claro, até levei uma garrafa de cachaça como sinal de meus mais sinceros desejos de sorte para eles. De verdade. Mas no gol da Costa de Marfim, não pude resistir a soltar um sorriso sacana e dizer entre os dentes um "Che, que mierda..." nada sincero, só para ver a reação raivosa dos locais.

No fim das contas, a única coisa para a qual estou torcendo de verdade é que Brasil e Argentina não se cruzem, porque aí eu temo pela minha segurança. Venha o que vier, eu continuo a me divertir e a hinchar por Argentina em troca de comida e bebida. Hoje comi um asado excelente no primeiro tempo e o mate circulou por todo o segundo (é amargo, é ruim, mas dá para se acostumar). Nota: não tentar botar cachaça no mate de novo.

05 junho 2006

Entrando no clima da Copa

Tá chegando a hora!!! E para entrar no clima, uma carta aberta a nossas namoradas, esposas, amigas, amigas coloridas, ficantes e pretendentes. Troque Argentina por Brasil que dá tudo na mesma.
Mi amor:

1) Del 9 de junio al 9 de julio, leé la sección deportiva del Mundial para que tengas tema de conversación. Si no lo hacés, no te extrañe de que no te de bola.
2) Durante el Mundial la tele es mía, a todas horas, sin excepción. El control... ni lo mires y menos se te ocurra tocarlo.
3) Si tenés que pasar frente a la tele durante un partido no me importa, siempre y cuando lo hagas gateando y sin distraerme.
4) Durante los partidos estoy sordo y ciego. No esperes que te oiga, que abra la puerta, conteste el teléfono o levante al nene que se cayó de la planta alta....... Nada.
5) Sería bueno que siempre tenga cervezas en la heladera, bocaditos en abundancia y le sonrías a mis amigos que llegan a ver el fútbol. En agradecimiento, te dejaré ver tele de 6 a 6.30 de la mañana (siempre y cuando no haya en ninguno de los 83 canales la repetición de algún partido).
6) Por favor, si me ves molesto porque Argentina va perdiendo no me digas "no es para tanto" o "en el siguiente seguro ganamos": harás que me moleste más.
7) Podés sentarte a ver un partido conmigo y podés hablarme en el entretiempo, pero sólo en los comerciales. Tampoco abuses,....... dije UN partido.
8) Las repeticiones de los goles son muy importantes. No importa si ya los ví o no: los quiero ver de nuevo, muchas veces.
9) Que no se le ocurra a ninguna de tus amigotas bautizar a su hijo, cumplir años, hacer una primera comunión ni llegar a morirse durante el mundial... porque:
a) No iré.
b) No iré.
c) No iré.
d) No iré.
10) Si un amigo nos invita un domingo a ver el fútbol (¡qué gran invitación!), iremos sin duda.
11) Los resúmenes de la jornada mundialista durante la noche son tan importantes como los partidos mismos; ni se te ocurra pensar en decir "Pero si eso ya lo viste, ¿por qué no cambias?".
12) Es posible que durante el tiempo que dure el Mundial no me bañe ni me afeite y en consecuencia alrededor mio huela a jaula de oso. Recuerda que vos a veces olés a pescado y yo no digo nada.
13) Costa de Marfil, Trinidad y Tobago, y Serbia y Montenegro no son tiendas de ropa como Gath & Chavez o El Corte Inglés. Son países cuyas selecciones juegan el Mundial y cuyos partidos tambien me interesa ver aunque sea la primera vez que escuches hablar de ellos.
14) Te voy adelantando que: “Drogba" NO es el nombre de un nuevo alcaloide; "Tierry Henrry" NO es un perrfume; "Wyne Roony" NO es el dueño de Rintintín ni "Heinze" es una marca de Ketchup. Cuando escuches algún nombre o palabra que desconozcas no tendré ningún problema en explicarte su significado siempre y cuando lo hayas anotado en alguna página de tu cuaderno de recetas y me lo consultes despúes de 60 días de haber finalizado el mundial.
15) Finalmente, ahórrate expresiones como “¡Qué bueno que el Mundial es cada 4 años!” porque estoy inmunizado contra palabras necias. Porque además, luego viene la Champions, la Copa América, El Apertura, El Clausura, Liga Española, El Catenaccio, La liga Inglesa, la Libertadores, el Sub 20, la Sudamericana, el Sub 17, etc, etc, etc…
16) De llegar Argentina a ganar el Mundial: Desapareceré durante dos días, tiempo suficiente para empedarme con mis amigos y festejar. Al volver a casa, tendré derecho a disponer nuevamente del TV durante 30 días para volver a revivir cada segundo de tremendo logro.
17) De quedar eliminada Argentina: Tendrás a disposición el control y la TV durante unos 60 días. Tiempo de duelo suficiente. (Obviamente después de la finalización del Mundial; ya que una vez eliminados voy a hacer fuerza hasta el final por el equipo más débil que quede.)

OK?, ¿Entendido?, ¿Cappicci?, Do you understand?, Isquiri voche Naniastka?


PS: Essa "carta aberta" recebi por email de uma amiga argentina, mas parece que a piada é antiga, talvez nem seja originária desta Copa, e já há versão brasileira circulando. A pergunta é: quem traduziu de quem? Ou os dois traduziram de uma outra versão??

Pelos olhos do adversário

Não é só no Brasil que a rivalidade futebolística entre os dois países é usada para alavancar a publicidade, como fez o Guaraná Antárctica com o Maradona. Vi a propaganda abaixo, do jornal esportivo Olé, ontem no cinema (a história-genial-mas-mal-executada Quase dois irmãos) e morri de rir.

Uma década de visitas a Florianópolis tornou os argentinos muito receptivos à cultura brasileira, muito mais do que nós somos a eles. Esse video dá uma idéia dos estereótipos que os argentinos têm da gente no Brasil e eu achei hilário ver a si mesmo por esses olhos.



E aproveitando o tema, divido esta outra propaganda relacionada com a Copa do Mundo, de um dos patrocinadores da seleção local. Para entender, tem que lembrar de um hábito bem bacana da torcida argentina que substitui os fogos de artifício.

04 junho 2006

Grandes Momentos do Turismo Porteño Surreal

Renato do Dois é blog em visita a BsAs, a trabalho, já conhecedor da cidade e devidamente introduzido ao bife de chorizo. Sábado frio e chuvoso, nada propício para fotos e turismo, mas resolvemos sair pela Callao em direção ao centro depois de um café-da-manhã (momento CAD: uma delicatessen escondida na Recoleta que nem cardápio tem, mas é ótima...) às 3 da tarde (não me perguntem...).

Plaza de Mayo, mais frio, mais chuva. Seguimos pela Avenida de Mayo atravessando a 9 de Julio seguindo o precioso guia da YPF em direção à Plaza del Congreso. No caminho, Teatro Avenida.
- No hay función hoy, pero sí un acto político...
Entramos, um pouco para ver o teatro, um pouco para espantar um pouco do frio. O lugar estava lotado, só conseguimos entrar no "Paraíso", os lugares populares próximos ao lustre, de onde os amantes do teatro com menos posses se empoleiram para ver os espetáculos. O Avenida me lembrou uma versão menor do Teatro Amazonas, a Ópera de Manaus, com sua platéia vertical e seu estilo "quero ser francês".

No lugar, muita gente aplaudindo de quando em quando uma mulher monotônica que falava em propostas. Tinha gente que claramente não estava interessada e lia a edição local da Caras. Ouvia-se um ou outro bebê chorão pelo teatro. Baixou a senhora do púlpito, subiu outra para apresentar o relatório sobre economia. Jovem, recebeu uns assobios debochados de seus compañeros na platéia. E os compañeros aplaudiam com gosto cada vez que a menina falava em estatizar tudo que foi privatizado.

Surreal. Estávamos no Congresso Nacional do Partido Socialista, no momento em que fechavam o programa para a próxima temporada de lucha. Não precisamos ouvir a Internacional, denunciou o símbolo da rosa. Verdade que não foi lá muito diferente de qualquer assembléia que vi antes na universidade, a mesma ladainha de sempre, com a exceção de que os socialistas argentinos sabem se vestir.

Renato, que é comuna e odeia a Veja, estava emocionado. Arranquei o menino de lá quando ele estava para puxar o coro El pueblo, unido, jamás será vencido.