06 outubro 2005

Referendo 2005: uma crítica

Vou votar no sim no dia 23, mas sem muito entusiasmo. Vou votar sim por duas razões simples, a primeira delas foi magistralmente colocada por O Barnabé. Tenho meus acessos de Mr. Hyde atrás do volante (lembram do desenho do Pateta motorista?) e detestaria encontrar um outro Mr. Hyde armado - como creio que o número de vidas salvas de mortes causadas por motivos fúteis como brigas no trânsito e maridos traídos seria maior do que o número de vidas salvas em situações de auto-defesa, voto sim.

Tirando a Maitê Proença pedindo para votar no sim, o melhor argumento da campanha do desarmamento é que as armas usadas em crimes foram, um dia, legais e depois chegaram às mãos da "bandidagem". Essa é minha segunda razão para votar no sim.

No entanto, quero deixar registrado, concordo com o slogan "Desarmar o cidadão não é a solução". A Campanha do Desarmamento está sendo vendida como uma medida contra a violência e a criminalidade, o que é, no mínimo, questionável. Por isso vou desanimado para a urna no dia 23, na verdade só porque sou obrigado a ir.

Minha principal crítica é contra o referendo em si, não contra determinada posição em relação à questão.

Já fui vaiado pelo que estou prestes a dizer. O referendo é anti-democrático, por mais contraditório que isso possa soar. Não o fato de haver um referendo, mas a forma como ele foi elaborado.

Democracia não é ditadura da maioria, é dar acesso a todos ao processo de tomada de decisões, independente de eventuais filiações ideológicas, religiosas, partidárias, etc. Significa dizer que minorias, ainda que não façam prevalecer seus pontos de vista, participam das decisões e, assim, são protegidas de eventuais abusos da maioria. Um processo democrático deve, portanto, ser elaborado de forma a não pender para quaisquer lados de determinada questão.

Considero que o referendo tem um vício de origem. Autoridades se referem a ele como "Referendo do Desarmamento". A pergunta que responderemos no dia 23 já contém uma resposta em seu enunciado, é um processo tão ilegítimo quanto o "Plebiscito contra a ALCA".

Outro ponto. A Justiça Eleitoral estabelece, nas eleições majoritárias, prazos para iniciar a campanha, correto? Há meses a Rede Globo faz propaganda em favor do desarmamento. Não estou me referindo às matérias no JN, mas às diversas vinhetas e afins, para não falar no clima de "Criança Esperança" que tem o horário gratuito do SIM com todo o elenco da Globo. Não quero iniciar aqui uma discussão sobre liberdade de imprensa. Note bem, defendo a liberdade de imprensa como valor absoluto e fundamento necessário para qualquer democracia digna desse nome, sem os adjetivos relativistas tanto ao gosto do General Geisel e de alguns integrantes do atual governo. Apavorantes as ações de ambas as frentes do referendo, tentando recolher a Revista Trip, a Veja e tirar do ar a novela Bang Bang. No entanto, não está claro para mim se a participação da Globo na campanha do desarmamento é fruto de uma linha editorial bem definida ou participação indevida no horário eleitoral gratuito.

(Parênteses: chega a dar pena a desproporcionalidade entre as campanhas do SIM e do NÃO. Além da falta de recursos e de estrelas globais, o NÃO é de um amadorismo de dar dó. Até recentemente, sequer vinculavam o NÃO ao número 1, a escolha na urna eletrônica. Diziam "contra a proibição, vote não", agora dizem "contra a proibição, vote 1, vote não")

"Mas é por uma boa causa", já me disseram quando expus os pontos acima. É exatamente nesse raciocínio que eu vejo o perigo. Por supostamente ser "uma boa causa", poucos se importam que o processo seja viciado. Para que ter o referendo, então? Se foi definido a priori que é uma boa causa, a decisão poderia vir logo de cima para baixo e nós não teríamos que sair de nossos pijamas para votar no dia 23. Entende onde quero chegar? Em nome de uma causa politicamente correta, não se importam de distorcer um pouco o processo democrático. Esse é o perigo maior do Referendo 2005, o precedente. Que outras causas justificarão esse tipo de distorção processual no futuro? Toda ditadura se considera uma "boa causa", uma "boa causa" imposta por manipulação ainda é autoritarismo.

0 comentaram: