30 dezembro 2005

E para fechar o ano.....

Esta história não seria contada. Mas como a outra parte envolvida já abriu o bico, resolvi matar as inúteis horas de trabalho relatando o ocorrido com um verniz próprio.

D., que talvez prefira não ser identificado, mas que todos sabem quem é, me chama para tomar uma inocente cerveja em um boteco-instituição de BSB, o Beirute, no penúltimo dia útil do ano. O frio espanta os demais companheiros de copo (sim, o frio. Porque no verão chove muito no cerrado, a temperatura cai de noite e tem sempre uma brisa gelada. Descobertas de quem em 8 anos de Brasília nunca passou Reveillon por aqui).

Querendo esticar a noite, D. propõe ir a outra instituição de BSB, o Gates (somente as instituições estão abertas nessa época do ano). Eu detesto o Gates, pra mim é um local que só existe porque faz parte da memória afetiva de toda uma geração que cresceu em Brasília em uma época quando não existia absolutamente nada para fazer, a não ser ir para o Gates. Mas, personalidade fraca que sou, sigo D..

Gates vazio. Quem conhece D. sabe que ele tem um talento inato para entrar em baladinhas gay sem querer. Sem querer mesmo. Ou talvez ele esteja tentando dizer algo... De qualquer forma, logo notamos que o talento de D. mais uma vez se manifestara, estávamos um tanto deslocados, querendo vender geladeira para esquimós, completamente fora de nosso nicho de mercado - as meninas lá estavam claramente em busca da mesma coisa que nós. Solução: partir para o Bucanero's.

Corte para uma hora antes, antes de adentrar ao Gates. Lugar novo naquela comercial. Bucanero's. Neon vermelho, superpopulação de seguranças, um tiozinho saindo da porta pesada acompanhado de uma menina bacana. A hostess anuncia o valor da entrada, diz que "ainda não estamos aceitando cartão de crédito" e informa que há um show em andamento, "Tarcísia" (ou "Narcísia"?). Obviamente, um inferninho. Corta de volta para a saída do Gates.

O que pode ser mais deprimente do que terminar a noite em um inferninho?

O segurança tira uma. "Olha os caras que foram para o Gates aí". Entramos. Sentamos no balcão, pedimos uma cerveja. E de repente estávamos em um filme do David Lynch.

No hay bunda

Poucas mesas ocupadas, quase todas por casais. O palco iluminado com uma luz vermelha, uma cortina de veludo ao fundo, cobrindo toda a parede. E uma loira platinada em cima do palco.

Mas a loira estava vestida. Acompanhada de uns 4 músicos. Se esgoelava em versões pretensamente atualizadas de sucessos pop dos anos 80. Não se contentava em cantar, tinha que interpretar com gestos as canções, quase como aquela deficiente auditiva que canta o Hino Nacional com as mãos, já viram?

"Hoje o tempo voa, amor...escorre pelas mãos..." E mexia a mão como se areia escorresse entre os dedos. Ou como se estivesse brincando com os bagos de alguém.

Conscientes da experiência surreal pela qual estávamos passando, D. e eu só fazíamos rir. Ríamos tão alto que por pouco o primo da Tarcísia não resolve distribuir uns sopapos para calar nossa boca. Aquela bodega vazia, as poucas mesas ocupadas por parentes do dono ou da banda. A loira platinada achando tudo maravilhoso. "...bem que se quiiiiiiis...". A única menina com menos de 30 anos era a garçonete. Pior, olhamos ao redor e constatamos que não fomos os únicos ludibriados - havia sim outros tiozinhos ali no balcão que claramente acharam que iam se dar bem no mais novo inferninho da cidade.

Mas deveríamos ter prestado atenção aos sinais. Que inferninho não aceita cartão de crédito?? Que inferninho teria um nome que faz referência a um navio pirata, onde só há homem e canhão?? É pena, o lugar poderia ser um inferninho bacana. Como claramente não vai vingar, talvez venha ainda a ser.

O que pode ser mais deprimente do que terminar a noite em um inferninho? Terminar a noite em um falso inferninho.


1 comentaram:

Anônimo disse...

E o ano fecha com uma história digna de 2005.

Passemos a 2006, com o otimismo inútil que nos é peculiar

(no outro post vc perguntou qual era a função evolutiva do otimismo, acho que devemos atribuir à capacidade de auto-ilusão a sobrevivência da espécie, sem ela a taxa de suicídios seria enorme...)