20 abril 2007

Uma breve análise econômica

Semana passada, como talvez tenham acompanhado na imprensa, houve um protesto do sindicato dos caminhoneiros argentino aqui em frente à repartição. Aparentemente a Quilmes pretendia cancelar um contrato de distribuição que deixaria muita gente sem emprego, os caminhoneiros ameaçaram parar, secando os bares da cidade, e vieram protestar aqui na frente da repartição porque supostamete a Quilmes pertence a uma malvada multinacional brasileira, que por sua vez pertence a outra malvada multinacional belga.

Como minha sala é virada para a rua, foi uma manhã de trabalho bem interessante, dava a sensação de estar digitando no meio de uma torcida organizada "sooooooooooy camionero! es un sentimiento, no puede paraaaaaaaarrr!!!!". Há uma interessante e nem sempre lícita relação entre as torcidas organizadas e os movimentos sociais profissionalizados, vulgo piqueteros, aqui. "Que hace tu papá, Juanito?" "Toca bombo en la banda del grémio y en la hinchada". Pergunta relevante: se os ditos "movimentos sociais" alugam profissionais para protestar e levar suas demandas à sociedade e às autoridades, suas manifestações gozam de legitimidade?

Intervenção presidencial, tudo resolvido, não vai faltar brahminha nas esquinas portenhas.

E aí, para comemorar (é, você leu corretamente, para comemorar), o grémio resolve parar a cidade hoje, botou os caminhões na rua em procissão ao estilo trio-elétrico, como se precisasse algo mais do que a chuva para parar o trânsito de BsAs. Ainda bem que eu moro a uma quadra da repartição.

Esse apoio aos movimentos sociais profissionalizados é uma das grandes bases de sustentação do governo K. Há que se dar crédito a um presidente que assumiu, ainda que democraticamente, sem nenhuma legitimidade (graças a uma frustrada manobra suja do opositor no segundo turno) e agora tem índices de aprovação massacrantes. A Argentina recuperou os níveis econômicos de 1998 recentemente e agora, oficialmente, está crescendo além do efeito "quicar no fundo do poço".

O problema é que essa política vem acompanhada de uma intervenção estatal na economia que é quase uma caricatura dos anos 80. Controle de preços "voluntário", com direito a maquiagem dos índices de inflação e pressão de funcionários do baixo escalão para que os estabelecimentos comerciais a serem pesquisados para determinar os índices inflacionários baixem os preços. Don Corleone só oferece proteção se puder dar pitaco no preço da laranja também. (ainda bem que o Ipea não sofre pressão política, né?)

O resultado, é claro, é desabastecimento, mercado negro, etc. Não atingiu ainda Microcentro, Barrio Norte, Recoleta, Palermo, mas déjà vu. Quando se torna insustentável, explode e a batata quente fica para o sucessor.

Ou seja, vai quebrar. Pode demorar um pouco, mas a Argentina voltará ao poço. Provavelmente não até o fundo, como em 2001, mas volta. Não sei quando, talvez nem esteja mais em BsAs, mas volta. O engraçado é que isso é instintivamente aceito pelos locais como normal, cíclico, tão certo como a chegada do Natal - enquanto isso dá-lhe dólar embaixo do colchão!

Talvez então eu compre uma fazendinha na Patagônia e vire ermitão de vez.

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