20 fevereiro 2006

Dias 8 e 9. Enseada McKellar, Estação Arktowski e Xixi de Bisão

Vento nos 10 nós, temperatura 0°C-5°C. Hoje a Estação está em compasso de espera, fim de temporada. Uma missa será celebrada em alguns minutos. Amanhã de tarde há a cerimônia de passagem de função do Grupo Base 2005-2006 para o 2006-2007, logo depois o Grupo Base antigo embarca no Ary Rongel, assim como eu, e seguimos para Ushuaia. Todos têm alguma coisa de última hora para fazer, algo a aprender, algo a ensinar, muito a organizar.

A partir de amanhã devo ficar incomunicável no Ary Rongel até a chegada em Ushuaia, prevista para dia 24. Estamos torcendo para que nossa passagem pelo Drake coincida com uma zona de alta pressão que está estacionada no Pacífico, em meio a diversas pequenas zonas de baixa. Isso significa que, com sorte, teremos tempo bom, mas estamos arriscados a pegar pancada pela frente. E pancada no Drake significa ondas do tamanho de edifícios. Dá-lhe Vertix!

Ontem foi meu dia mais bacana. Saí sozinho logo depois do café, me aproximei devagarinho de um pequeno grupo de pingüins em frente ao heliponto da Estação e fiquei lá, trocando uma idéia, tirando umas fotos. Logo depois, me juntei a um grupo de 22 pessoas que seguiam o alpinista em um passeio no dia de folga para a Enseada McKellar, ou seja, subir a costa oeste da península toda, além do Refúgio Ipanema. Por todo o caminho, skuas e trinta-réis (parece uma andorinha) agressivos faziam vôos rasantes para nos afugentar das proximidades de seus ninhos. Na ida, topamos com um pouco amistoso leão marinho, na volta, uma foca de weddel, tão tranqüila que quase passei por ela sem ver, descansava sua descomunal massa de banha. O ponto alto, no entanto, foi a Enseada. Bastante abrigada, não havia brisa nenhuma, enquanto batia uns 20 nós na Estação. O dia estava cristalino, conseguíamos ver toda a Baía, inclusive as estações Machu Pichu (peruana) e Arktowski (polonesa), bem longe.

Uma enorme geleira caracteriza a Enseada McKellar, Geleira Domeyko, em tons de azul que não consigo reproduzir na máquina fotográfica por ausência de filtros na lente, quanto mais descrever. Ouvíamos estrondos pavorosos, trovões deslocados naquele tempo bom. Era a geleira, parecia viva, toneladas de gelo rachando, se compactando, se deslocando e causando os trovões, de vez em quando caía um bloco na água e momentos depois o choque criava uma longa onda perto de nós. Consegui filmar a queda de um bloco enorme (tenho mais ou menos 1,5 Giga de fotos e vídeos até agora)

Depois do rancho na Estação, segui com o Comandante e outros até a Estação polonesa, Arktowski. Botamos a roupa laranja, embarcamos nos zodiacs e atravessamos a Baía inteira, Wipe out tocando no oereworm. Lá fomos recepcionados com a bebida típica, Charlotka (algo como "torta de maçã") - suco de maçã e uma vodka especial chamada Zubrowka. A Zubrowka é feita com extratos de um capim típico da Polônia e que era a principal refeição dos bisões, dizem que é o xixi do bisão que dá o gostinho. Um tesão de bebida, podem anotar: Zubrowka.

As relações entre Ferraz e Arktowski cresceram bastante nessa temporada que termina amanhã, em parte graças aos esforços do Chefe em Ferraz, em parte porque um oficial brasileiro namora uma pesquisadora polonesa. Os brasileiros adotaram a Zubrowka, os poloneses aprenderam a fazer caipirinha.

Arktowski foi talvez o primeiro pesquisador antártico polonês, integrante da Expedição do Belgica, liderada por Adrien de Gerlache, a primeira invernagem antártica (onde também estava um certo norueguês que viria a ser o pesadelo de britânicos, Amundsen). Gerlache "esqueceu de avisar" sua tripulação que planejava invernar na Antártica, durante a longa noite de inverno, muitos, literalmente, piraram e por pouco a expedição não terminou em catástrofe.

A aconchegante estação amarela da Polônia está localizada na beira da Baía. A vista espetacular compensa o fato de que o lugar não é tão bem abrigado quanto Ferraz. Há pequenas ondas na praia de cascalhos, o que dá um efeito sonoro gostoso, primeiro ouvimos o barulho da onda quebrando na margem, depois o barulho da água escorrendo entre os cascalhos.

Arktowski tem muita vida selvagem, fica ao lado de uma pingüineira. Mesmo os bichinhos tendo migrado há algumas semanas fugindo do inverno que se aproxima, ainda dá para sentir o fedor do lugar. Passeando pelos arredores acompanhado de um local, vi a última espécie de pingüim da Baía do Almirantado que me restava, alguns jovens adélies em troca de penas, feios de dar dó, e que por isso ainda não migraram.

Mas o grande barato de Arktowski são os elefantes marinhos. Toneladas inertes de gordura preguiçosa, ficam parados por dias sem sair do lugar, mal se pode distingüi-los de pedras, apenas quando abrem os enormes olhos. Chegam a servir de substrato para líquens. Como não têm nenhum predador em terra, permitem que a gente se aproxime muito, o tanto que nossos narizes permitirem. Havia por lá também um solitário filhote de lobo marinho a posar para fotos.

Arktowski tem um programa completamente civil, então eles têm que dar um jeito de complementar o caixa dando apoio para navios turísticos e vendendo souvenirs. Ao entrar na lojinha, há duas enormes pedras com caras etiquetas de preço. Uma piada ótima, se olharmos pela janela, há pedras por todos os lados. Mas deve ter algum turista japonês que caiu nessa já... Comprei a camiseta mais cara de minha vida, não há muita concorrência por aqui.

De volta à estação, mais Zubrowka. Zodiacs, de volta a Ferraz, mais Zubrowka. Hoje, dor de cabeça.

Se não voltar a postar até lá, nos falamos em Ushuaia.

oooO*Oooo

Piada pronta

Os oficiais médicos na marinha recebem a alcunha de "Doc". A especialidade do novo "Doc" da Estação é proctologia. O "Doc" é "Proc" e fica andando com o dedo em riste por aí, ameaçador.

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