23 fevereiro 2006

Dias 10, 11 e 12. O Velho Corsário.

It figures. O dia que vou embora é o dia que faz o melhor tempo...muito sol, muitas fotos panorâmicas, um papo amigo com uma foca de weddel e um quase tropeço (literalmente) em uma foca caranguejeira. Após a cerimônia de passagem de funçao ("Eu ASSUMO"...uia!), embarquei no Ary Rongel para a lendária Passagem do Drake.

A zona de alta pressao que mencionei antes se estabilizou sobre o Drake, criando o "Drake penteado": condiçoes estáveis, tempo bom, ventos e ondas vindo sempre da mesma direçao. No caso, pegamos o vento e as ondas de través. Força 5, quase 6, 20 nós, ondas de dois a cinco metros. Fichinha para o Drake, mas o navio estava muito leve devido à descarga de óleo para a Estaçao e balançava muito. Claro que mareei, vomitei pouco, mas o desconforto era constante, nao dava disposicao para nada, nem para comer. O Spa Ary Rongel, faça uma passagem pelo Drake e emagreça. Andava constantemente com um saquinho plástico no bolso para emergências. Para meu consolo, quase todos passaram mal, uns mais, outros menos, com exceçao dos veteranos.

Todo mundo se pergunta como astronautas fazem para ir ao banheiro no espaço. Bobagem. Gravidade zero e aspirador de pó. Pergunte-se como sao realizadas as funçoes de higiene mais banais em uma passagem do Drake. Isso sim é aventura. Mijar no Drake é como mijar do alto de um brinquedo de parque de diversoes. Tomar banho, só ricocheteando nas paredes, tomando cuidado para nao se queimar no aquecedor. Nao tive coragem de fazer a barba, poderia cortar alguma artéria. Imagine-se dormindo sobre uma gangorra com duas crianças gordas e sádicas nas pontas e terá uma idéia de como eu dormi.

Mas isso foi só nas primeiras 24 horas, depois nao mareei mais. Esqueçam dramin e vertix, o melhor remédio para enjôo é encarar o balanço, dançar junto e tentar dormir, passei um bom tempo na cama acostumando meu labirinto. Ontem subi ao passadiço, como se nunca tivesse enjoado na vida, para assistir um pôr-do-sol espetacular - sol descendo no mar, mar sem fim à minha volta, somente algumas pequenas aves por testemunha. E eu fico me perguntando como elas fazem para chegar aqui e por que, por que...

O Drake é uma lenda. Junto do Cabo Horn, é o equivalente ao Monte Everest do marinheiro. Há almirantes que nunca fizeram a passagem e me dá um senhor orgulho de ter sido minha primeira travessia - o Drake nao me fez abandonar meus planos de vela, só fez reforçar.

Hoje de manha estávamos já no Canal de Beagle, lindo de verdade, quase tao selvagem quanto da vez que Fitzroy e Darwin aqui estiveram. Passamos pelas ilhas da discórdia entre Chile e Argentina. Uma baleia deu as caras, mas eu infelizmente perdi o espetáculo. Atracamos antes do esperado, havia até uma bandinha militar para receber o Ary Rongel. Fizemos a travessia em pouco menos do que 50 horas, desenvolvendo velocidades entre 10 e 13 nós.

E aqui estou, no fim do mundo, Ushuaia.

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