25 fevereiro 2006

Dia 14. Museus. Trem do Fim do Mundo. Parque Nacional.

Passei o resto do dia anterior zanzando pela cidade, perdido de propósito. Cheguei a uma parte da cidade nada charmosa, que provavelmente só nao é uma favela porque o pessoal morreria de frio.

O ponto alto foi a descoberta, indicaçao do oráculo Lonely Planet, de uma livraria especializada em livros e DVDs sobre exploraçao antártica...doeu no bolso, mas cortei alguns itens da minha wishlist da Amazon.

O ponto baixo do passeio foi na volta descobrir que Amyr Klink esteve no Ary Rongel, visitando o Comandante por algumas horas. Ele está a bordo do Nordnorge, cruzeiro antártico que partia enquanto eu recebia a notícia, perdi a oportunidade de tietar meu herói em seu próprio habitat.

Museus

Visitei o Museu do Fim do Mundo e o Museu Yagán. Lugares extremamente pequenos, dá para ver tudo em menos de 15 minutos cada, mas jeitosos. No primeiro deparei-me com uma informaçao frustrante. Em parte, a mitologia náutica em torno destas paragens e do Cabo Horn é resultado de um esquema de golpe em companhias de seguro. Com a revoluçao náutica trazida pelo vapor e, depois, pelo óleo, aproveitando-se do alto índice de naufrágios e do isolamento desta regiao, companhias de tranporte e carga mandavam seus capitaes darem sumiço nas embarcaçoes à vela em naufrágios forjados nestas bandas. Simplesmente nao havia como verificar o sinistro e o dinheiro do seguro era utilizado para renovar a flotilha. Prefiro a lenda.

Os Yagán eram os nativos da parte sul da Terra do Fogo. Ushuaia quer dizer "Baía voltada para o poente" em sua língua. Eram poucos, alguns milhares e nao deixaram muitos vestígios de sua passagem pela Terra. Nômades, nao possuíam escrita, sequer faziam pinturas rupestres (as camisetas vendidas aqui com símbolos indígenas sao de povos da Patagônia), e tudo o que se sabe deles hoje deve-se aos missionários ingleses e salesianos que primeiro se estabeleceram por aqui. Sucumbiram às doenças européias e à fome trazida pela escassez de baleias e lobos-marinhos, seu principal alimento, que por sua vez foram dizimados por baleeiros e caçadores de foca. Construíam impressionantes canoas de cortiça que as mulheres, as únicas que sabiam nadar, manejavam com destreza. Nao tinham âncoras, amarravam as canoas nas enormes algas (kelps) que crescem por aqui. Os homens cuidavam do arpao e as crianças mantinham o fogo aceso nas canoas.

Nao eram assim tao miseráveis como supôs Darwin ao ver um bando de índios gordos e pelados nessas terras frias. Nao usavam roupas (salvo um manto de pele de lobo-marinho em dias mais frios) porque roupa significa acumulo de umidade e, conseqüentemente, desconforto. Era muito mais fácil manter-se aquecido e impermeável cobrindo o corpo de gordura e ficando perto do fogo.

O fogo era elemento constante e vital na cultura Yagán. Mantinham alguma brasa sempre acesa, mesmo em suas canoas, para aquecimento e para evitar o trabalho de acender uma nova fogueira a cada parada (lembram daquele filme insuportável e onipresente nas escolas do segundo grau, "A Guerra do Fogo"?). Usavam também como forma de comunicaçao com as canoas distantes a caçar. Quando Magalhaes chegou ao extremo sul da América pela primeira vez, viu diversas dessas fogueiras, mas nao viu gente - daí Terra do Fogo.

Trem do Fim do Mundo

Você sabe que entrou em uma armidilha para turistas quando se vê cercado de aposentados e há uma gravaçao em alto-falantes com explicaçoes em japonês e coreano sobre o lugar.

Assim como Punta Arenas e Hobart, os outros pontos de entrada da Antártica, Ushuaia surgiu de uma colônia penal criada no intuito de ocupar e reivindicar estas terras para o Estado. A única forma de comunicaçao da cidade com o mundo exterior era pelo mar, mas havia uma linha férrea de 25km ligando o presídio a lugar nenhum. Todo dia, saía uma locomotiva transportando presos para cortar lenha nos bosques em torno da linha, para servir de combustível para os geradores e aquecedores do presídio e da cidade. Hoje, o presídio é uma base militar e os últimos restaurados 7Km da linha férrea sao uma armadilha para turistas, uma versao melhorada do trenzinho da finada Cidade da Criança de Sao Bernardo que percorre um bosque de tocos mortos. O jeito mais caro de entrar no Parque Nacional da Terra do Fogo.

Parque Nacional da Terra do Fogo

Fugi o mais rápido possível da armadilha e me botei a caminhar pelo parque. É uma reserva ambiental restrita, há poucas trilhas, bem demarcadas, a percorrer. Escolhi a Senda Costera, 6,5Km margeando a Baía Ensenada até quase a fronteira com o Chile, umas 3 horas de caminhada. Deu para cansar.

Trechos de bosque bastante fechado intercalados por praias de cascalho com uma vista incrível da Cordilheira ao fundo, para sentar, apreciar e refletir. O frio e a neve do inverno impedem que a matéria orgânica se decomponha completamente, em alguns trechos dá para ver que nao se está pisando em solo, mas em um enorme emaranhado do que um dia foram folhas, galhos e troncos. É como andar em um imenso xaxim, com uma generosa e grudenta camada de lama nas áreas onde a água se acumula. Estou com os joelhos doendo, mas valeu.

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