03 julho 2007

Cataratas do Iguaçu

Em junho, aproveitando um feriado prolongado, as temperaturas mais amenas e o fato de não terem iniciado ainda as férias escolares, peguei a velha Sony e tomei um dos extorsivos vôos da Aerolíneas para fazer um bate volta naquela que é talvez a grande meca do turismo de massas na América do Sul: Cataratas do Iguaçu. Visite o álbum de fotos no Flickr
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Foi também a primeira vez em muito tempo que viajei sozinho. Não que seja melhor do que uma viagem acompanhado, mas eu sentia falta dessa coisa mochileira, buscando "single-serving friendships" no albergue para tomar uma cerveja ou rachar transporte (single-serving também pode ser traduzido por "descartável", mas aí não seriam friendships).

Nômades e desterrados são particularemente receptivos a seus pares, ainda que desconhecidos: se em sua terra natal você puxa conversa com alguém que nunca viu antes, as chances disso terminar em uma cervejinha são menores do que entre nômades e desterrados. Não que viajantes independentes sejam mais abertos, eles estão mais abertos a estranhos. Independência pode ser sinônimo de solidão e há pessoas que fogem disso sem se dar conta de que fogem de si mesmas. O que cansa é o papinho padrão "de onde você é-para onde você vai" que se repete sempre...

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Meu objetivo era só conhecer os parques mesmo, sem pressa. Calculo que mais cedo ou mais tarde terei que ir a Foz a trabalho, então resolvi ficar só por Puerto Iguazú, por pior que seja este cu de pueblo, onde a Argentina já terminou, mas o Brasil ainda não começou (e tampouco está no Paraguai). Fronteiras com acessos terrestres são muito estranhas, você está em uma estrada, passa por um enorme guichê de concreto e de repente, arbitrariamente, você está de volta a seu país, os outdoors e a rádio falam sua língua, mas você, não entende bem porque, se sente duplamente estrangeiro.

Triplamente estrangeiro, se considerar que ali é território guarani, onde se fala guarani. O ônibus mais multicultural do mundo é o que vai da rodoviária até o parque nacional, onde na mesma viagem é possível ouvir inglês, alemão, norueguês, finlandês, chinês, italiano, português, espanhol, árabe e guarani.

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Atribui-se aos guaranis uma lenda breguinha sobre um amor proibido que ofendeu um deus sedento por sacrifício que criou as cataratas para separar e punir o casal, mas o arco-íris os une e o amor vence (céus...que horror...). Com poucas variações, já vi essa mesma lenda atribuída a pelo menos dois povos para explicar outros acidentes naturais. Com um pouco de pesquisa, você encontrará outras lendas supostamente autênticas como mito de origem do lugar. Nada tira da minha cabeça que essas lendas foram inventadas por algum agente de turismo contemporâneo...

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Nos fóruns e sites de turismo que consultei era inevitável a questão "qual lado é melhor?".

A pergunta só se aplica se for uma referência a "qual parque nacional é melhor?". Aí, lamento Embratur, mas tenho que ficar com os argentinos, que colocam à disposição muito mais informação e mais atividades ao visitante, sem cobrar os preços escandinavos que cobram os concessionários turísticos brasileiros. Mas eu não entendo como falam de "lado brasileiro" e "lado argentino" das Cataratas, como se fosse possível cortar a água.

O fato incontestável é que há mais variedade de passeios e vistas no parque argentino, da mesma forma que as passarelas do parque brasileiro permitem uma visão de todo o conjunto que não é possível do outro lado do rio. Se é do Brasil que se vêem as melhores paisagens, não pode ser o lado brasileiro o mais bonito, já que o que se vê é o parque argentino. Por outro lado, o visitante na Argentina não tem o mesmo grau de assombro que se tem do lado brasileiro, porque sempre só se vê apenas o parcial. A questão é tautológica e, como toda tautologia, absolutamente inútil. As Cataratas são uma coisa só, Y-Guazú, indivisíveis, nem sei porque se dão ao trabalho de dar nomes individuais para cada salto.

Já fui (fomos todos) tão bombardeados com imagens das Cataratas que sinceramente achei que não iria me impressionar. Tolo engano. É fantástico. Y-Guazú, Iguaçu, Iguazú, Iguassu...em guarani quer dizer "água pra caralho". Mais água do que você pode imaginar, gotas em suspensão por todo o lado, subindo como fumarola e te envolvendo com um véu branco que altera as cores do ambiente, levando umidade a teus olhos, teu nariz e tua pele, ocupando tudo com um ruído absoluto, tão onipresente que se torna silêncio.

Vá. Em três dias é possível visitar os dois parques com folga (dois dias para o parque argentino). Se você não tiver problemas em acordar cedo, com um pouco de boa vontade dá até para fazer em dois dias. Minha sugestão de programa é a que segue (não é exatamente o que eu fiz). No parque brasileiro, percorra as passarelas sem pressa e deixe para os gringos os passeios pagos. Tome mais tempo no lado argentino, percorra absolutamente tudo, Circuito Inferior, Circuito Superior, Trilha do Macuco, Ilha San Martín (talvez a melhor vista do parque argentino), o passeio de inflável (é muito mais barato aqui). Ignore o "trem ecológico" e caminhe alguns Km até a Garganta do Diabo - você nunca verá tantas borboletas juntas como nessas poças de lama. Cheque o calendário lunar, há passeios noturnos ao parque em noites de lua cheia. Pule o almoço e coma um surubim grelhado com mandioca frita na janta. Se viaja sozinho, busque um albergue para encontrar outros viajantes dispostos a rachar um remis até o parque do outro lado da fronteira. Tome o ônibus do seu lado da fronteira. Se viaja com alguém especial, cometa a extravagância de ficar em um dos hotéis cinco estrelas dentro dos parques. Vá.

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Em um trecho megalomaníaco do ótimo El Interior, Martín Caparrós diz que teve estúpidas ganas de escupir hacia el salto, de agregar algo: de participar. No meu caso, feri os olhos ao fazer o passeio de inflável até os saltos e confiar demais em meus óculos - as Cataratas escupiran no meu olho. Acabei com uma conjuntivite que nem o Photoshop salvou.

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Puerto Iguazú é incompreensivelmente feia. Foz pelo menos tem a desculpa de que é uma cidade grande, com todos os problemas de uma cidade grande. Puerto Iguazú não, ela existe em função das Cataratas, é totalmente dependente do turismo, mas não tem nada de pitoresco, suas ruas, casas e prédios não tem a menor preocupação estética. Na noite do centro predominam cachorros vadios e adolescentes de interior bêbados com sua mobiletes, em lugar de turistas com seus cartões de crédito.

A resposta talvez esteja no turismo de massas. Muitíssimos visitantes passam por lá, mas a maioria permanece pouco tempo e está sempre envolvida em cápsulas motorizadas hermeticamente fechadas pelo agente de viagens, mantidos isolados do meio-ambiente que tanto os fascina. Os hotéis, até mesmo alguns albergues, se esforçam em ter toda uma estrutura para manter o visitante confinado, restrito ao trecho hotel-ônibus-parque-ônibus-hotel. Quem fica na cidade são geralmente turistas jovens, que gastam menos.

Não me leve a mal, acho extremamente pedante a distinção que alguns fazem entre "turistas" e "viajantes". Poderia bater mais neste ponto, mas não vou agora. O máximo que eu admito é alguma distinção entre "turismo de massas" e "turista/viajante independente", i.e. aquele que viaja sozinho ou em pequenos grupos e faz sua própria pesquisa, foi atrás de roteiros, transporte, hospedagem e alimentação por sua conta, sem precisar de ajuda de um profissional ou agente. O ponto aqui é simplesmente que a quantidade de turistas não está necessariamente associada com a grana que fica no local, tampouco com a qualidade da atração.

Verdade seja dita, os parques conseguem manejar o volume de turistas muito bem. É inevitável a comparação entre as passarelas para manter os turistas nas trilhas e currais estreitos para conduzir gado, todos em fila indiana. Aquilo realmente deve ser um inferno em alta temporada, uma longa e contínua fila, ainda bem que escapei disso. Mas, por outro lado, se não fosse essa abordagem "turista = gado", os parques provavelmente já estariam destruídos ou fechados, ou seriam inacessíveis para muita gente.

O que me ofende no turismo de massas não é o volume de visitantes, é a pasteurização da visita. Cria-se uma imagem estereotipada que é vendida em embalagens assépticas, um produto descartável que homogeneiza a experiência do visitante. No caso das Cataratas, geralmente associados às palavras "adventure" e "jungle". Depois tem gente que reclama que gringos acham que tomamos cipós para ir ao trabalho. Céus, o que é aquele ônibus no parque brasileiro com "ruídos da selva" nos alto falantes?!?! "Adventure" pacas meu passeio pela trilha sendo rebocado por um carrinho de golf, sentado ao lado de uma sexagenária alemã. Olha que selvaaaaaagem aquele quati buscando um resto de batata frita no lixo!!

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Quem lê o trecho acima pode até achar que eu não gostei da viagem, mas se enganaria. É realmente um desses lugares que você precisa ver antes de morrer. É hipnotizante contemplar aquele tanto de água caindo, envolvido pela névoa como se você fosse parte delas, por horas ver a mesma coisa sem cansar e notar algo diferente a cada variação da luz ou mudança do vento. "Y-Guazú" é superlativo.

1 comentaram:

Anônimo disse...

Rapaz, vc nunca escreveu tão bem!