24 março 2006

Una larga noche

Trinta anos atrás, na madrugada de 24 de março de 1976, uma junta militar ocupou a Casa Rosada, prendeu a Presidente Isabela Perón, e deu início à última ditadura militar da Argentina. É assim mesmo que os argentinos se referem ao período, a "última ditadura militar" - um lembrete de que a história local é repleta de golpes de estado, 1976 foi apenas o mais recente, e um suspiro de esperança de que essa história não se repita.

Há alguns fatores em comum entre os últimos regimes militares no Brasil e na Argentina. Em ambos os casos, o deposto era um vice que ocupava a presidência devido a alguma tragédia - a morte de Perón no caso argentino, a estupidez de Jânio no caso brasileiro. Em ambos os casos, o deposto não correspondia ao peso de suas novas responsabilidades, abrindo um vácuo de poder que seria ocupado por fardados armados paranóicos embuídos de um sentido de missão que consideravam quase divina: eliminar os "subversivos" do país e alcançar um grau de desenvolvimento que consideravam impossível para civis corrompidos pela política. Esqueçam as teorias de conspiração que aprenderam no segundo grau, a longa noite latino-americana foi gerada em nossas próprias sociedades.

Acho que a diferença entre matar 3.000 e 30.000 é meramente quantitativa, não qualitativa - o pecado é tão grande que não permite gradações. De qualquer forma, é consenso que a ditadura argentina foi ainda pior que a brasileira, matou mais e não tinha certos pudores no exercício do poder, como manter o Congresso aberto. Como conseqüência, enquanto nossa transição para democracia foi "lenta, gradual e segura", a Argentina sofreu um processo mais abrupto, catalizado pela Guerra das Malvinas, muito mais rancoroso, com muito mais dor.

Ao contrário do Brasil, onde até mesmo aqueles que foram torturados pela ditadura e estão hoje no poder resistem a divulgar as pilhas de documentos secretos que poderiam levar a uma caça às bruxas, aqui as violações sistemáticas de Direitos Humanos cometidas pela ditadura militar são consideradas crimes contra a humanidade, não prescrevem. Conversando com meus colegas argentinos, fica claro que a questão é extremamente delicada. Chegam a baixar a voz ao falar do assunto. Um verdadeiro tabu, especialmente para aqueles que têm parentes militares. Há uma espécie de sentimento de culpa coletiva no ar, da mesma forma que alemães que nasceram depois da guerra não falam sobre Hitler.

Há poucas semanas, o 24 de março foi declarado feriado nacional - hoje é a primeira vez que a data é "celebrada". A maioria dos feriados na Argentina faz referência à morte de algum herói nacional, mas houve alguma polêmica se a data do golpe deveria ser lembrada com uma folga do trabalho. Mas mesmo as Avós da Praça de Maio vieram a apoiar a iniciativa do governo, com o entendimento de que o feriado não é um dia de comemoração, mas um dia para luto.

Me pergunto se a abordagem argentina, expurgar os pecados da ditadura militar com rancor e dor, não é melhor que nossa anistia ampla e irrestrita. Certas coisas não podem ser esquecidas, sob pena de se repetirem.

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